O aborto sempre será um tema polêmico, pois envolve situações muito particulares, pessoas de diferentes culturas e percepções diversas sobre a sexualidade, sobre o início da vida e sobre os direitos humanos. Sendo assim, podemos afirmar que é um tema complexo.
Mas, com isso, não podemos ficar em uma discussão prolixa e ideológica sobre quem deve ganhar essa guerra: os direitos das mulheres ou os direitos dos nascituros. Infelizmente, o tema foi se tornando refém de grupos radicais que tomaram para si, o que é um direito universal de todos: vir à vida. Estamos falando de vidas humanas, e plenamente humanas, pois a única coisa que nos separa é o tempo e a fase em que estamos vivendo, mas todos temos a mesma essência, o mesmo destino, as mesmas necessidades e os mesmos direitos. Enquanto se espalhar essa trágica mentalidade de que mulher e feto são incompatíveis ou até inimigos (pois parece que um quer destruir o outro) viveremos nos iludindo que estamos defendendo algum direito. Não existe direito onde há ódio, violência e vingança contra um inocente ou um vulnerável. E muitas vezes, mãe e bebê se tornam juntos vulneráveis e precisam de apoio, suporte e amparo e não mais violência sobre eles. O Papa Francisco, na sua Encíclica Fratelli tutti, lembra do encontro que teve com o Grande Imã Ahmad Al-Tayyeb, onde firmaram juntos um documento sobre a fraternidade humana em prol da paz mundial e da convivência comum, onde afirmam: “Deus criou todos os seres humanos iguais nos direitos, nos deveres e na dignidade e os chamou a conviver entre si, como irmãos” (Fratelli tutti n.5). Talvez essa é a grande lição que deveríamos exercitar diante dos temas complexos e polêmicos. Acreditar num diálogo que nos leve a reagir diante de tantos discursos de ódio contra as mulheres e contra os bebês.
Por isso, entendo que o Estatuto do Nascituro (PL 478/2007) não é nenhuma novidade (15 anos de tramitações) e significa um passo importante para assegurar a todas as crianças o direito de vir à vida com dignidade e a proteção necessárias, já que não podem se defender por eles mesmos. Assim, o Código Civil explicita essa ressalva: Art. 2º A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.
Graças a Deus, as mulheres, nestes últimos tempos, conseguiram conquistar muitos direitos e avançaram significativamente nas legislações acerca da proteção da sua dignidade e esperamos que avancem, ainda mais. O ideal, porém, é que isso aconteça na mesma proporção para os nascituros, as crianças, os idosos, os deficientes, os doentes, e todos aqueles que tem alguma vulnerabilidade. Neste sentido, o Estatuto do Nascituro é JUSTO, pois se trata de uma conquista de um direito humano no início da vida.
Vemos também, que as experiências das casas pró-vida, nos apresentam um outro lado da história, de mulheres que muitas vezes não são ouvidas ou não têm espaço para falar de suas experiências. São as mães que decidiram não abortar, mesmo nas situações mais inusitadas e complexas. O resultado dessa opção, quando bem acompanhada, é de ternura, amor, afeto e bondade. Salvar vidas é sempre muito bom e nunca será incompatível com a natureza humana. Dessa forma, o Estatuto do Nascituro é BOM, pois permite salvaguardar as duas vidas.
E, finalmente, podemos dizer que estamos em tempos de guerras ideológicas. O que vale é o discurso mais impactante, mais forte, mais impressionante ou mais mentiroso. Toda essa paixão exacerbada para defender um ponto de vista, leva a discussão do início da vida para um patamar muito superficial e desproporcional com a importância do tema. Assim, o Estatuto do Nascituro é NECESSÁRIO, para garantirmos um maior aprofundamento do tema, no lugar que é próprio, isto é, no Legislativo, onde a população está devidamente representada. Desde 2007 que esta pauta está sendo discutida, portanto,
é necessário que se avance para um maior equilíbrio deste vácuo que foi deixado por aqueles que usam só a primeira parte do Art. 2º do Código Civil e desconsideram as fundamentais linhas que seguem, esquecendo que elas garantem direitos imprescindíveis para a mulher e para a criança, como, pensão alimentícia ao concebido, sucessão de herança, vaga para parto antecipado em casos de emergência, entre outros.
Parabéns a todos os Legisladores, incansáveis, que mantêm o firme propósito de defender todas as vidas humanas, desde a concepção até seu fim natural. Somos humanos e participamos da mesma gênese e do mesmo destino, por isso, sempre seremos responsáveis uns pelos outros.
Rio Grande, 14 de dezembro de 2022.
Dom Ricardo Hoepers
Bispo da Diocese do Rio Grande/RS
Presidente da Comissão Vida e Família da CNBB