Na gênese do Instituto Nacional da Família e da Pastoral Familiar (INAPAF), no início da década de 1990, está a insistência do arcebispo emérito de Curitiba (PR), dom Pedro Fedalto, e a entrega do casal João Bosco Lugnani e Aparecida Eunides Lugnani. Já com alguns anos de casados e uma experiência no contexto do Encontro Matrimonial Mundial, eles aceitaram o convite para oferecer à Igreja no Brasil seu testemunho e conhecimento, dando um salto na estruturação da Pastoral Familiar e na evangelização das famílias brasileiras.
Como homenagem e forma de aprender ainda mais com a experiência de Bosco e Eunides, que já completaram 51 anos de matrimônio, o Portal Vida e Família oferece o testemunho deste casal nesta semana que antecede a abertura do ANO FAMÍLIA AMORIS LAETITIA.
Confira:
O que representa a convocação do ano Família Amoris Laetitia
O ano “Família Amoris Laetitia” é mais uma relevante manifestação da Igreja que reconhece a enorme importância do cuidado para com a família. A comunhão familiar e matrimonial, homem/mulher, criadas por Deus comunhão, à Sua imagem, é desde o princípio, prioridade de Deus. Sendo prioridade de Deus, a família é prioridade da Igreja e do Homem que ama a Igreja, a Deus e ao próximo. A alegria do amor é que mais temos experimentado em nossa experiência de ajuda às famílias no trabalho pastoral, mesmo em meio a tantas dificuldades.
A Igreja, se olharmos para as últimas décadas, tem se voltado com grande preocupação para com a família. Os Papas têm focado o tema família com grande zelo e preocupação, com a realização de concílios e publicação de documentos.
Nós, Eunides e Bosco, nos sentimos motivados no trabalho da messe do Senhor na ajuda à família, sempre que recebemos da Igreja uma explícita manifestação de apoio como esta. Recebemos como um estímulo que vem de Deus através do Papa, numa época em que a família é profundamente atacada, às vezes mutilada, gerando sofrimentos incomensuráveis. Temos a ousadia e alegria de assumir que Jesus Cristo fala olhando em nossos olhos: “Não fostes vós que me escolhestes, mas Eu vos escolhi, para que vades e produzais fruto …” (Jo 15, 13). Se ajudamos alguém a reconstruir-se e a reconstruir sua família, este alguém se alegra e chega a chorar de alegria. Mas podemos testemunhar que nossa alegria é ainda maior. Esta recompensa vem de Deus, Criador. Eunides e eu experimentamos incontáveis vezes esta alegria. Isto sempre reconstrói e renova nossa vida sacramental. Portanto vivemos décadas de renovação e reforço em nossas relações sacramental e familiar.
O que os casais podem fazer para viver melhor o matrimônio e assim experimentarem a alegria do amor
Vemos que todos os casais e famílias precisam confrontar muitos desafios.
Acreditamos que o maior e melhor recurso, acessível aos cônjuges, está depositado na Igreja. É um pacote que inclui: um encontro íntimo com Deus, com escuta e acolhimento de Sua graça; a descoberta do valor e da dignidade indestrutíveis de cada um, dados por Deus criador, desde o princípio.
Acreditamos também que o anúncio desta boa notícia requer ensino testemunho com alegria, poder e autoridade. E que o casal ajudado esteja aberto ao projeto do Criador. Assim vai experimentar a beleza do plano de Deus para a vida e para o Matrimônio e família. Assim é eficaz o anúncio e contagiante a alegria do amor. A renovação da vida conjugal, iniciada no interior de cada um, renova a vida e relacionamentos. Eunides e eu sempre nos renovamos e fortalecemos nosso relacionamento e nosso Matrimônio, no trabalho de anúncio para os outros. Se o próprio Deus nos confiou ser sinal do seu amor por sua Igreja, isto nos faz sentir muito valorizados e amados por Deus, e amar e valorizar nosso Matrimônio. Isto não é privilégio nosso, é para quem aceitar o plano de Deus.
Perceber a beleza e a riqueza da vida matrimonial
Para nós, Eunides e eu, hoje, o Matrimônio é a primeira instituição, escola prática de comunhão, criada por Deus. A comunhão com Deus e entre as pessoas é necessidade gritante nos dias atuais, mesmo que sempre tenha sido necessidade. O Matrimônio é maravilhoso, mas nosso entendimento inicial, há mais de cinco décadas, não foi assim.
Em nossos primeiros anos de casamento a principal força para a caminhada de casados veio do aprendizado prático, concreto, da vida de nossas famílias; por uma cultura familiar cristã que, até então, era relativamente forte nas comunidades e sociedade. Tínhamos boa iniciação cristã pela oração diária do terço, enquanto crianças; e pela frequência às missas aos domingos, entretanto sem participação e comprometimento. Éramos cristão relaxados. Até então nosso Matrimônio foi bom, com aquela base de formação prática e com os solavancos próprios da vida de casados não muito bem preparados e com as dificuldades normais da vida. Nada, ou quase nada, sabíamos, a não ser a tradição reverente ao Matrimônio.
Nosso despertar e primeiros passos para sermos discípulos de Jesus são longos, mas vamos resumi-los.
Ao final da década de setenta tivemos, já com bom tempo de casados, um maravilho encontro pessoal com Deus, participando de um grupo de orações da RCC (Renovação Carismática Católica), no Canadá, onde morávamos. A partir daí fomos despertados para amar a Deus e a nossa Igreja. Pouco depois fomos convidados a testemunhar nosso despertar na fé em outras comunidades católicas ou evangélicas. Isto nos motivou muito, pois ficávamos contentes com os resultados.
Tendo iniciado na RCC, logo fomos também convidados a participar do Encontro Matrimonial Mundial (EMM ou ED), encontro de casais onde se trabalha/estuda os relacionamentos de casal, familiar e o Matrimônio. Neste evento fomos chamados a atuar como casal. Já em nossa primeira participação fomos convidados a fazer um aprofundamento para atuar como equipe de formação e aceitamos. Quando já tínhamos agendado nossa primeira atuação como equipe, acabamos voltando para o Brasil. (Graças a Deus tínhamos terminado nossa formação acadêmica e devíamos voltar.) Nossa integração ao ED no Brasil tem uma história interessante, mas não queremos nos alongar.
No Brasil, engajamos em nossa paróquia, e nosso primeiro apostolado foi criar um grupo de oração, que também tem uma longa e bonita história, mas não é o foco deste breve testemunho.
Pouco depois, a pedido do padre, criamos o Encontro para Noivos com um modelo e programa bem específico que foi bem aceito. Demos alguns passos para uma Pastoral Familiar que ia tentando engatinhar.
Continuamos nosso trabalho em nossa paróquia e pouco tempo depois fomos chamados por Dom Pedro Fedalto a levar nossa experiência para um encontro na Arquidiocese de Curitiba e, ainda pouco tempo mais, recebemos do Monsenhor Pierre Primeaut , Assessor Nacional da Pastoral Familiar, um convite para partilhar também no Nordeste, em Teresina, a mesma experiência paroquial.
Durante todo este tempo íamos atuando no Encontro Matrimonial Mundial, onde servimos e aprendemos e onde o Sacramento do Matrimônio é estudado e valorizado juntamente com outros valores relevantes para os relacionamentos. Neste encontro tivemos experiências preciosas da graça de Deus derramada abundantemente sobre os participantes e equipe de trabalho. Nosso aprendizado e valorização do Matrimônio como sacramento crescia.
Isto durou até início da década de noventa, quando fomos surpreendidos por um pedido de Dom Pedro Fedalto, para assumirmos a criação do Instituto Nacional de Pastoral Familiar, cujo anteprojeto de Diego e Cláudia Naranjo, havia sido aprovado na Comissão Nacional. Fugimos teimosamente do desafio. Eu, Bosco, havia acabado de me aposentar e o que menos eu sonhava era pegar uma escola do marco zero, e a partir de um anteprojeto, criar uma escola nacional, muito diferente do padrão de escolas em geral. Ao final, Dom Pedro, profundamente amoroso defensor da família, foi a nossa casa e nos “coagiu” a aceitarmos a tarefa. Como já havíamos orado bastante sobre a questão, aceitamos e começamos. Não tínhamos um referencial por modelo, não tínhamos espaço físico, não tínhamos uma mesa ou uma cadeira, etc. mas com uma cadeira e uma mesa e um cantinho emprestado, na sala da Pastoral de Comunicação, iniciamos o trabalho em tempo integral para mim, aposentado, e para Posinha, em tempo de fim de semana ou à noite. O projeto e implantação do INPF, hoje INAPAF, tem sua história já bem conhecida.
No trabalho aprendemos a cada dia. Fomos descobrindo que a meta ideal para o casal sacramentado é a comunhão perfeita, a que existiu no princípio (Gênesis 1), antes do pecado, e a comunhão referida nas Bodas do Cordeiro em Apocalipse (Ap 19). Aprendemos que aquela comunhão perfeita, danificada pelo pecado, tem seu resgate na Comunhão Eucarística da qual procuramos não nos distanciar. Nosso desafio de conversão é interminável, mas com a assistência do Paráclito e a renovação da comunhão com Cristo, não desistimos da jornada de conversão. Os percalços da vida diária são muitos como todos sabem. São problemas e resistências dentro de nós, na relação pouco amorosa entre nós como casal, na família, na igreja, no conflituoso mundo sócio político. O exercício concreto do perdão, de amar o inimigo nos desafiam constantemente, mas não desistimos.
Eunides e eu partilhamos aberta e mutuamente todos estes conflitos, nossas dificuldades pessoais e nosso apoio mútuo e oração de casal. Também optamos por não ficar em cima do muro nos grandes desafios temporais, sempre assumimos responsabilidades diante destes desafios desagradáveis que geram algum sofrimento, após orarmos como casal e em particular. A experiência mais frequente é que o Espírito confirma nossas iniciativas, e quando não, corrigimos os rumos, em diálogo e oração. Nossa vivência do Matrimônio é aprimorada na caminhada. As pequenas brigas duram pouco e o fim é celebrado com a presença de Deus. O Matrimônio, em nossa experiência de vida, é um dom maravilhoso de Deus que caminha conosco.
No trabalho pastoral com famílias sofremos muito com o sofrimento das famílias e nos alegramos também muito ao participarmos da reconstrução de vidas e de comunhão familiar. Esta experiência é vasta e gratificante.
Diariamente oramos pelos que estiveram conosco em eventos em favor da família. Que Deus seja louvado pela atenção que a Igreja dispensa à família.
— João Bosco Lugnani e Aparecida Eunides Lugnani