Recente legalização do aborto na colômbia reforça preocupação com o avanço da ‘cultura de morte’ no continente
A pele ainda é frágil, mas seu corpo está praticamente formado. Ele já pode perceber sons externos e sentir gostos e cheiros. O pulmão não está plenamente formado, mas, se nascesse agora, sobreviveria, recebendo os devidos cuidados em uma UTI neonatal.
Assim é um bebê no 6º mês de gestação. Entretanto, desde 21 de fevereiro, na Colômbia, após decisão da mais alta corte do país, um ser humano até esta idade gestacional pode ser assassinado por procedimentos abortivos.
No dia seguinte, a Conferência Episcopal da Colômbia manifestou perplexidade e profunda dor com a decisão da Justiça. “Considerar que os direitos à vida e a receber proteção do Estado, amparados pela Constituição (cf. Art. 2. 5. 9), não são válidos a partir do momento da concepção, é uma afronta à dignidade humana. Igualmente, defender o suposto direito de suprimir uma vida inocente põe em risco o mesmo fundamento de nossa ordem social e do Estado de direito. O aborto é um ato imoral e uma prática violenta contra a vida”, ressaltaram os bispos. No domingo, 27 de fevereiro, os católicos do país se uniram em uma jornada de oração a favor da vida desde a concepção até a morte natural.
Crueldade
Considerada pelos movimentos abortistas como uma “conquista dos direitos da mulher”, a legalização do aborto formaliza o assassinato do feto, e, quando o alvo são aqueles a partir dos 6 meses de vida intrauterina, a morte é ainda mais cruel, conforme detalha Lenise Garcia, doutora em Microbiologia e Imunologia e presidente do Movimento Brasil sem Aborto.
“Em um feto de 24 semanas, se for feita a indução ao aborto com um medicamento [técnica mais comum para os abortamentos realizados até a 12ª semana de gestação], a probabilidade de essa criança nascer viva é muito grande. Para que isso não aconteça, o que se provoca é a morte da criança já dentro do útero, por meio de uma injeção salina, algo extremamente doloroso, pois ela será como que queimada internamente. Outra técnica usada é a de injetar algum veneno no coração do bebê. Portanto, são atrocidades que se cometem contra essa criança para que morra no útero, e depois com algum medicamento se induza a gestante ao trabalho de parto para que expulse a criança morta”,
detalhou Lenise ao O SÃO PAULO.
Cultura de morte
Na América Latina, além da Colômbia, o aborto é legalizado em Cuba (desde 1965), Guiana (desde 1995), Uruguai (desde 2013) e Argentina (desde 2020). Também é permitido em alguns estados do México, em Porto Rico e na Guiana Francesa, nestes dois últimos seguindo as legislações dos países a que pertencem, respectivamente, os Estados Unidos e a França.
Na avaliação de Lourdes Varela, coordenadora latino-americana do movimento internacional “40 Dias pela Vida” – que alerta a sociedade sobre os riscos do aborto e promove vigílias de jejum e oração em frente a clínicas nas quais é realizado –, o que ocorreu na Colômbia foi a formalização de uma cultura de morte já consolidada no país, onde antes o aborto só era permitido para os casos de estupro, má-formação do feto e risco para a vida da mãe.
“Em alguns hospitais públicos, por exemplo, os médicos, ao fazerem o pré-natal, já tinham a orientação de questionar a gestante se ela queria mesmo ter aquele filho. Além disso, em muitas cidades já há centros de aborto que recebem fundos da Planned Parenthood, a maior realizadora de abortos dos Estados Unidos”, assegura.
“Em Bogotá, por exemplo, no bairro de Teusaquillo, existem 32 centros de aborto. Quando uma moça caminha por lá, é comum que alguém no meio da rua lhe dê um panfleto dos locais onde possa abortar. A cada aborto feito, o entregador do panfleto ganha uma comissão”, exemplifica Lourdes.
Discussões em outros países
No México, cada estado tem autonomia para decidir sobre a legalização do aborto. A prática foi descriminalizada inicialmente na Cidade do México, em 2007. No ano passado, a Suprema Corte da Justiça considerou que o aborto não é um crime. Hoje, alguns estados já o fazem como política pública de saúde até a 12ª semana de gestação.
Na Argentina, os debates sobre a legalização do aborto se intensificaram em 2018. Naquele ano, o legislativo rejeitou a proposta de descriminalização. Entretanto, o tema voltou a ser discutido em 2020 e se aprovou o aborto até a 14ª semana de gestação.
No Equador, desde 17 de fevereiro, a mulher que engravida em decorrência de estupro está autorizada a abortar até a 12ª semana de gravidez.
No Chile, a legalização voltou a ser debatida no ano passado, mas a proposta de permitir o aborto até a 14ª semana de gestação foi arquivada pelos legisladores. Desde 2017, porém, a prática já é permitida quando há risco de vida para a mãe, em caso de estupro ou de inviabilidade de vida do feto após o nascimento.
No Brasil, apesar das recorrentes tentativas de descriminalização, o aborto é um crime, conforme consta nos artigos 124 e 128 do Código Penal, mas há três situações em que seus autores não são punidos: em caso de a gravidez resultar em risco de vida para a gestante, se for resultante de estupro e, ainda, para os casos em que o feto é anencéfalo.
A quem interessa a legalização?
Lourdes Varela assegura que, na maioria dos casos, a discussão sobre a legalização do aborto não é uma demanda da sociedade local, mas sim de grupos financeiros internacionais: “Há outros interesses em questão. Cria-se todo um discurso de que o aborto é pelo bem da mulher, porém, não é verdade, isso nos levará à própria destruição”.
Lenise Garcia ressalta que o aborto deixa marcas permanentes na vida da mulher. “Independentemente do método utilizado, que por si só já traz riscos, deve-se considerar que há todo um equilíbrio orgânico hormonal existente entre a gestante e o seu filho que é rompido de uma forma abrupta pelo aborto, e, evidentemente, isso se reflete no organismo da mulher. Há comprovadamente uma incidência maior de câncer de mama entre as que já realizaram aborto. Elas também têm mais dificuldades para engravidar depois e, quando conseguem, a criança pode nascer prematura ou com baixo peso”, detalhou, citando ainda casos de mulheres que após abortarem desenvolvem quadros depressivos ou se tornam dependentes de álcool e drogas.
A vida é dom de Deus, não uma ameaça
Em maio de 2007, durante o voo de sua viagem apostólica ao Brasil, o Papa Bento XVI foi questionado por jornalistas a respeito de países que discutiam legislações para permitir a prática do aborto. O Pontífice ressaltou que “a vida é um dom de Deus e não uma ameaça”, e destacou que na base dessas propostas atuam duas forças: o egoísmo e a dúvida sobre o futuro.
“A Igreja responde sobretudo a estas dúvidas: a vida é bela, não é algo duvidoso, mas é um dom e também em condições difíceis a vida permanece sempre um dom. Portanto, é preciso voltar a criar esta consciência da beleza do dom da vida. Outra coisa é a dúvida do futuro: naturalmente há tantas ameaças no mundo, mas a fé nos dá a certeza de que Deus é sempre mais forte e permanece presente na história e, portanto, podemos, com confiança, também dar a vida a novos seres humanos. Com a consciência de que a fé nos dá sobre a beleza da vida e sobre a presença providente de Deus no nosso futuro, podemos resistir a estes medos que estão na base destas legislações”, concluiu.
Por Daniel Gomes | Jornal O São Paulo