A associação do zica vírus aos casos de microcefalia no país reacendeu a discussão sobre o aborto. Um grupo de advogados e acadêmicos pretende levar ao Supremo Tribunal Federal uma ação para pedir a autorização do aborto nas gestações de bebês com microcefalia.
O anúncio dessa ação gerou questionamentos e discussão não apenas por parte da Igreja e dos defensores da dignidade da vida humana desde a concepção, mas também pelas famílias e pessoas que nasceram com essa síndrome. Entre eles, a história da jornalista Ana Carolina Cáceres de 24 anos que nasceu com microcefalia, e ganhou projeção nacional nos últimos dias e a página na rede social Facebook “Eu amo alguém com microcefalia”, que compartilha experiências de famílias com filhos que nasceram com a síndrome.
A respeito desse assunto, o A12.com entrevistou o doutor em Teologia Moral padre Mário Marcelo Coelho, membro da Sociedade Brasileira de Teologia Moral e da Sociedade Brasileira de Bioética e autor de livros escritos na área de Ética Sexual e Bioética.
A12 – Como o senhor analisa a discussão do aborto em gestações de bebês com microcefalia associada ao zika vírus? Que realidades estão envolvidas nessa discussão?
Padre Mário Marcelo – O grande problema neste debate todo é que sempre buscam soluções pelo modo mais prático e sempre em prejuízo ao mais vulnerável, neste caso a criança que ainda está no útero da mãe.
“Quem apoia a aborto nestas condições está dizendo que existem pessoas de primeira, segunda, … categoria…”
Neste caso específico são várias realidades envolvidas: achar que uma criança com determinado comprometimento físico não tem o direito de nascer, de crescer, de viver. Quem apoia a aborto nestas condições está dizendo que existem pessoas de primeira, segunda, … categoria e se colocam no direito de decidir quem pode ou não nascer. Outra realidade é aquilo que a sociedade hoje prega, defende e pratica, ou seja, o horror para com as vidas marcadas pela deficiência. A criança com microcefalia é um ser vivente e como tal tem o direito de nascer e ser acolhida e amada. A dignidade da vida não depende de sua higidez. Nem de sua duração. Onde quer que esteja presente o sopro da vida humana, aí está um valor incalculável, ante o qual todos nos devemos curvar. A microcefalia tira o direito da criança de nascer?
A12 – Um grupo de advogados e acadêmicos prepara um projeto para ser enviado ao Supremo Tribunal Federal que pretende abrir a discussão do aborto nesses casos de microcefalia. Como podemos pensar no aborto nesses casos? Qual o pensamento da Igreja?
Padre Mário Marcelo – A página da UOL publicou no dia 01/02/2016 uma reportagem sobre uma jovem, Ana Carolina Cáceres, de 24 anos, moradora de Campo Grande (MS), que desafiou todos os limites da microcefalia previstos por médicos. Eles esperavam que ela não sobrevivesse. Ana Carolina se formou em jornalismo: “Escolhi este curso para dar voz a pessoas que, como eu, não se sentem representadas. Queria ser uma porta-voz da microcefalia e, como projeto final de curso, escrevi um livro sobre minha vida e a de outras 5 pessoas com esta síndrome (microcefalia não é doença, tá? É síndrome!)” – afirma a jovem.
Sobre a ação enviada ao STF Ana Carolina fez uma declaração muito interessante: “Quando li a reportagem sobre a ação que pede a liberação do aborto em caso de microcefalia no Supremo Tribunal Federal (STF), levei para o lado pessoal. Me senti ofendida. Me senti atacada”.
A morte direta e voluntária de um ser humano inocente é sempre gravemente imoral. “Nada e ninguém pode autorizar que se dê a morte a um ser humano inocente, seja ele feto ou embrião, criança ou adulto, velho, doente incurável ou agonizante”.
Todos têm direito à vida. Nenhuma legislação jamais poderá tornar lícito um ato que é intrinsecamente ilícito. Portanto, diante da ética que proíbe a eliminação de um ser humano inocente, não se pode aceitar exceções. Os fetos com microcefalia não são descartáveis. O aborto de feto com microcefalia é uma pena de morte decretada contra um ser humano frágil e indefeso. Com toda certeza a Igreja afirma que a vida humana é sagrada e possui dignidade inviolável.
No entanto, a vida de uma criança com microcefalia também deve ser protegida pela lei, assim como a de um embrião. Cada qual no seu estágio de desenvolvimento. Trata-se de um direito inalienável. Permitir a interrupção dessa vida é praticar o crime de aborto (artigos 124 a 128 do Código Penal).
Independentemente do estado de saúde, a vida humana sempre deve ser preservada. A Igreja se mostra radical quando o assunto é defesa da vida humana, em particular a indefesa. A defesa da vida humana tem que ser garantida apesar do que possa se desenvolver depois. Quem vai definir o limite com que uma pessoa pode ou não nascer?
A Igreja católica é coerente com o pensamento de Jesus que assumiu a condição humana para trazer vida a todos e vida em abundância. A Igreja católica sempre se posiciona na defesa da inviolabilidade da vida humana, mesmo ainda não nascida. A proteção da vida humana inocente e indefesa deveria interessar a todos, acima de concepções religiosas ou ideológicas; é questão de humanidade, não apenas de religião.
O drama pessoal por que passa a gestante não pode ser superado com a eliminação do mais “fraco”, “não se pode tentar resolver o que é dramático com o trágico! No dramático existe a possibilidade de uma positividade, no trágico só a destruição”. A vida deve ser acolhida como dom e compromisso, mesmo que seu percurso natural seja, presumivelmente, breve. Há uma enorme diferença ética, moral e espiritual entre a morte natural e a morte provocada. Aplica-se aqui, o mandamento: “Não matarás” (Ex 20,13).
Fonte: A12