O debate em torno da questão da menina de 10 anos que engravidou após anos sofrendo abusos sexuais do próprio tio e a decisão judicial favorável ao aborto gerou, de modo especial nas redes sociais, muitas certezas com acusações e julgamentos em relação à posição já conhecida da Igreja em defesa da vida desde a concepção até o fim natural. Mas, diante da complexidade do caso, católicos bem intencionados buscaram esclarecimentos e luzes para melhor compreender a situação.
Abaixo, algumas perguntas e respostas que podem auxiliar o entendimento do posicionamento sempre a favor da vida por parte da Igreja, como Jesus ensinou: “Eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância” (Jo 10, 10).
A gestação da criança era de risco. De que forma poderia ser prolongada?
Sim, a gravidez da criança era de risco. Mas, neste caso especificamente, estamos falando de um corpo de adolescente ainda em desenvolvimento e, por isso, seu útero ainda é pequeno. Isso significa que não seria viável levar essa gestação até os nove meses.
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Entretanto, estamos falando de um bebê que estava com suas 22 semanas e meia e 500 gramas. É importante salientar que temos, no Brasil, UTIs neonatais bem equipadas e cada vez mais desenvolvidas. A medicina fetal do Brasil é uma das mais avançadas no mundo, inclusive com cirurgias intra-útero.
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Sendo assim, um bebe com suas 700 gramas já seria viável para terminar seu desenvolvimento em uma UTI. Claro que para isso seria necessário um preparo com medicação para acelerar a atividade pulmonar e evitar hemorragias que são comuns na prematuridade extrema. O bebê que foi abortado precisaria somente de 10 dias para chegar ao seu peso ideal. Para isso, a menina precisaria ser recebida em um hospital e acompanhada por mais alguns dias e sendo preparada para realizar o parto e deixar o bebê terminar seu desenvolvimento numa incubadora na UTI.
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Segundo o Ministério da Saúde, a taxa de mortalidade de meninas adolescentes é de 1,5%, o que significa que tivemos 98,5% de chance de salvar uma vida a mais e não fizemos.
Essa criança após ter o bebê, teria que conviver e cuidar de outra criança? Qual seria exatamente o apoio que ela teria e que a Igreja daria?
O que segue é normalmente a adoção do bebê. Tem todos os trâmites jurídicos que preveem esta possibilidade e a menina não teria nenhum prejuízo sobre esta questão caso decidisse não ficar com a criança. As casas pró-vida, como a de São José dos Campos (SP), têm toda uma equipe multidisciplinar com profissionais da saúde e outros que dão todo apoio necessário às famílias que decidem não abortar.
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As casas pró-vida, muitas delas ligadas à Igreja e administradas por fiéis leigos ou congregações religiosas, abriram suas portas e suas estruturas para este caso. E há vários relatos de estupro em que as crianças sobreviveram e hoje vivem felizes e alegres, muitas delas com suas mães biológicas, as quais partilham suas histórias com brilho em seus olhos e alegria de superarem o trauma do abuso com suas crianças no colo.
Vimos apoiadores da causa pró-vida e católicos invadirem um hospital e, principalmente, agredir essa criança com gritos e outras atitudes. Essas pessoas estavam representando a nossa Igreja? Não deveríamos ter tido uma postura diferente?
Não concordamos com nenhum ato que fira a ordem pública e especialmente num Hospital. Não concordamos com nenhuma polarização ou instrumentalização do assunto para interesses políticos, ideológicos ou partidários.
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Importante lembrar que os posicionamentos de diversos bispos em relação ao caso em questão foram no sentido de alertar, oferecer apoio e solidariedade, além de questionar a decisão de eliminar uma criança inocente em gestação.
Não há por parte da Igreja uma insensibilidade com a menina que sofreu abusos?
Midiaticamente, foram explorados apenas trechos dos artigos e pronunciamentos divulgados pela Igreja. Mas em todos eles há referências solidárias à criança e de condenação à atrocidade sofrida.
Veja:
“A violência do estupro e do abuso sexual é infame e horrenda”
Dom Ricardo Hoepers
“Choro, então, por todas as vítimas. Choro pelo bebê, cuja morte foi considerada a melhor das soluções. Choro pela menina-mãe, que, aos seis anos, como informam os noticiários, já tinha sua vida profanada por alguém que lhe deveria proteger […]”.
[…]
Não temos como recuperar a vida do bebê abortado. Não temos como devolver à menina-mãe tudo que lhe foi tirado. […] Temos, no entanto, a chance e o dever de manter viva a pergunta pelas razões de tudo isso. E, mais ainda, temos a oportunidade de, unidos, contribuirmos para um mundo onde todas as pessoas tenham suas vidas amparadas, defendidas. A vida é a única resposta que se pode esperar de uma sociedade madura”.
Dom Joel Portella Amado
“A violência sexual é terrível, mas a violência do aborto não se explica, diante de todos os recursos existentes e colocados à disposição para garantir a vida das duas crianças”.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
“Se grave foi a violência do tio que vinha abusando de uma criança indefesa, culminando com violento estupro, gravíssimo foi o aborto realizado em Recife, quando todo o esforço deveria ser voltado para a defesa das duas crianças, mãe e filha”.Dom Antônio Fernando Saburido
Não é errado considerar o aborto como crime hediondo?
Neste caso, o Catecismo da Igreja Católica responde:
A Igreja afirmou, desde o século I, a malícia moral de todo o aborto provocado. E esta doutrina não mudou. Continua invariável. O aborto direto, isto é, querido como fim ou como meio, é gravemente contrário à lei moral:
«Não matarás o embrião por meio do aborto, nem farás que morra o recém-nascido» (Didaké 2, 2: SC 248, 148 (Funk 1, 8); cf. Epistola Pseudo Barnabae 19. 5: SC 172, 202 (Funk 1, 90); Epistola a Diogneto 5, 6: SC 33. 62 (Funk 1. 398): Tertuliano, Apologeticum, 9, 8: CCL 1, 103 (PL 1, 371-372)).
«Deus […], Senhor da vida, confiou aos homens, para que estes desempenhassem dum modo digno dos mesmos homens, o nobre encargo de conservar a vida. Esta deve, pois, ser salvaguardada, com extrema solicitude, desde o primeiro momento da concepção; o aborto e o infanticídio são crimes abomináveis» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 51: AAS 58 (1966) 1072).
CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA