Durante o discurso aos membros do corpo diplomático acreditado junto à Santa Sé, o Papa Francisco refletiu sobre as crises provocadas e evidenciadas pela pandemia do novo coronavírus e destacou a necessidade de cuidar da dignidade humana e ressaltou o valor da vida em família. O encontro ocorreu na Sala das Bênçãos no Vaticano e reuniu representantes de 183 países.
Mesmo com o mundo mostrando-se novamente fragmentado e dividido, as repercussões da pandemia são verdadeiramente globais, segundo o Papa, “quer porque a mesma envolve realmente toda a humanidade e os países do mundo inteiro, quer porque afeta muitos aspetos da nossa vida, contribuindo para agravar «fortemente outras crises inter-relacionadas como a climática, alimentar, econômica e migratória»”.
Na sequência, o Papa abordou algumas das crises provocadas ou evidenciadas pela pandemia, “contemplando ao mesmo tempo as oportunidades que derivam delas para se construir um mundo mais humano, justo, solidário e pacífico”.
Dignidade da vida humana
“A pandemia confrontou-nos fortemente com duas dimensões iniludíveis da existência humana: a doença e a morte. Por isso mesmo, recorda o valor da vida, de cada vida humana e da sua dignidade, em todos os momentos do seu itinerário terreno desde a concepção no ventre materno até ao seu fim natural”, destacou Francisco. Infelizmente, continuou o Papa, “é doloroso constatar que, a pretexto de garantir pretensos direitos subjetivos, um número crescente de legislações no mundo está a afastar-se do dever imprescindível de defender a vida humana em cada uma das suas fases”, recordando as recentes mobilizações em diferentes países para aprovação de legislações em favor do aborto e da eutanásia, por exemplo.
Todo o ser humano é destinatário do cuidado, recordou Francisco citando a Mensagem para o Dia Mundial da Paz, celebrado a 1 de janeiro passado:
“toda a pessoa humana é fim em si mesma, e nunca um mero instrumento a ser avaliado apenas pela sua utilidade. Foi criada para viver em conjunto na família, na comunidade, na sociedade, onde todos os membros são iguais em dignidade. E desta dignidade derivam os direitos humanos, bem como os deveres, que recordam, por exemplo, a responsabilidade de acolher e socorrer os pobres, os doentes, os marginalizados».
Papa Francisco
O Papa renovo seu apelo para que sejam oferecidos a cada pessoa humana os cuidados e a assistência de que necessita, cobrando esforço dos governantes por favorecer, antes de mais nada, o acesso universal aos cuidados básicos de saúde, incentivando também a criação de postos médicos locais e de estruturas sanitárias adequadas às reais necessidades da população, bem como a disponibilidade de terapias e medicamentos. “Com efeito, não pode ser a lógica do lucro a guiar um campo tão delicado como o da assistência e tratamento sanitários”, salientou.
Francisco também ressaltou que “os notáveis progressos médicos e científicos feitos ao longo dos anos” beneficiem toda a humanidade. Assim, exortou aos Estados a contribuírem ativamente para as iniciativas internacionais tendentes a assegurar uma distribuição equitativa das vacinas contra a Covid-19.
Relacionamentos e educação
Considerada a “mais grave de todas”, a crise dos relacionamentos humanos também foi destacada pelo Papa Francisco. Ela tem a ver “com a própria concepção da pessoa humana e a sua transcendente dignidade”.
“A pandemia, que nos forçou a longos meses de isolamento e muitas vezes de solidão, evidenciou a necessidade de relacionamentos humanos que tem toda a pessoa”, disse o Papa, que também recordou a necessidade desses relacionamentos para as crianças e adolescentes afetadas pelo ensino à distância, gerando uma “catástrofe educativa”.
Família
Mesmo com as consequências do isolamento social, os longos períodos de confinamento permitiram também passar mais tempo em família, recordou o Papa. “Para muitos, foi um momento importante para redescobrir os relacionamentos mais queridos. Aliás o matrimônio e a família «constituem um dos bens mais preciosos da humanidade»[15] e o berço de toda a sociedade civil”, sublinhou. Mas Francisco também lamentou que em algumas casas o momento em família foi de violências domésticas.
“Exorto a todos, autoridades públicas e sociedade civil, a apoiarem as vítimas da violência na família; sabemos que, infelizmente, são as mulheres, muitas vezes juntamente com os seus filhos, que pagam o preço mais alto”, .
Francisco também pontuou os efeitos da crise econômica e social causada pelo novo coronavírus na vida das famílias e das pessoas mais frágeis, além de manifestar preocupação com migrantes, refugiados e deslocados.
Para o Papa, a crise dos relacionamentos humanos e, consequentemente, as outras crises mencionadas não se podem vencer senão salvaguardando a dignidade transcendente de cada pessoa humana, criada à imagem e semelhança de Deus.
“O ano de 2021 é um tempo a não perder; e não se perderá na medida em que soubermos colaborar com generosidade e empenho. Neste sentido, considero que a fraternidade seja o verdadeiro remédio para a pandemia e os inúmeros males que nos atingiram. Fraternidade e esperança são remédios de que o mundo precisa, hoje, tanto como as vacinas.”
Papa Francisco
8 de fevereiro de 2021