Celebrar bem a Semana Santa é ser capaz de unir-se misticamente a Cristo, o rosto da misericórdia, em todos os seus passos a fim de, com ele, morrermos para os nossos pecados e, com ele, ressurgirmos para uma vida nova. Santo André de Creta, no século 8º, conclamava a sua comunidade ao iniciar este tempo santo, com os seguintes termos: Vinde, subamos juntos ao Monte das Oliveiras e corramos ao encontro de Cristo que hoje volta de Betânia e se encaminha voluntariamente para aquela venerável e Santa Paixão, a fim de realizar o mistério de nossa Salvação.
São Gregório Nazianzeno, grande bispo de século 4º, ensinava aos seus fiéis a forma mais prática de participar destes santos mistérios, dizendo: Imolemo-nos a Deus, ou melhor, ofereçamo-nos a ele cada dia, com todas as nossas ações. Façamos o que nos sugerem as palavras: imitemos com nossos sofrimentos a Paixão de Cristo, honremos com nosso sangue o seu sangue, e subamos corajosamente à sua cruz.
Na busca de fazer o povo entender bem o que significa isto e na esperança de que os mistérios não sejam somente recordados como algo do passado, São Gregório, continua a exortar: Se és Simão Cirineu, toma a cruz e segue a Cristo. Se, qual o ladrão, estás crucificado com Cristo, como homem íntegro, reconhece a Deus… Preso à tua cruz, aprende a tirar proveito até da tua própria iniquidade… entra com Jesus no Paraíso. Prossegue o santo bispo a indicar as pessoas de José de Arimatéia, de Nicodemos, de Maria e de outras figuras bíblicas como protótipos de união com Cristo, para que vivenciemos fortemente os santos mistérios desta Semana.
Esta união entre nós e Cristo, na verdade foi iniciativa do próprio Cristo, pois ele se colocou em nosso lugar para morrer por nós, pois não merecia morrer, uma vez que era inocente, homem e Deus verdadeiro. Sobre isto nos ensina São Pedro em sua Primeira Carta, capítulo 2: Sobre a cruz, carregou os nossos pecados em seu próprio corpo, a fim de que, mortos para o pecado, vivamos para a justiça.
São Basílio Magno, em seu livro sobre o Espírito Santo, nos recorda: A vinda de Cristo na carne, os exemplos de sua vida apresentados pelo evangelho, a paixão, a cruz, o sepultamento e a ressurreição não tiveram outro fim senão salvar o homem, para que imitando a Cristo, ele recuperasse a primitiva adoção filial.
Cristo assumiu misericordiosamente as dores e os sofrimentos de toda a humanidade, nos dando assim a certeza de sua união conosco para salvar-nos a todos nós. São Militão de Sardes, na sua homilia de Páscoa, lá no século 2º da nossa história da Igreja, dizia: Foi ele que tomou sobre si os sofrimentos de muitos: foi morto em Abel; amarrado de pés e mãos em Isaac; exilado de sua terra em Jacó; vendido em José; exposto em Moisés; sacrificado no cordeiro pascal; perseguido em Davi e ultrajado nos profetas.
Na Semana Santa, a liturgia auxilia a estar intimamente unidos a Cristo, para bem celebramos seus mistérios. Do Domingo de Ramos ao Domingo de Páscoa, nos faz mergulhar no mistério da misericórdia que tudo suporta em favor da vida verdadeira que se rege pelo amor a Deus e ao próximo.
Celebrar os mistérios da Paixão, morte e ressurreição do Senhor, com Ele, por Ele e n’Ele, é vivenciar, dia por dia, a grande lição da misericórdia, pois este é o nome de Deus, como nos ensina Francisco.
Páscoa: Cristo ontem, Cristo hoje, Cristo sempre, nos caminhos da misericórdia e da paz!
Dom Gil Antônio Moreira
Arcebispo Metropolitano de Juiz de Fora