Respondendo a uma pergunta de um bispo da República Dominicana, que ressalta que algumas mães solo se abstêm da Comunhão por medo do rigorismo do clero, o prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé lembra com o Papa Francisco que as mulheres em tal situação, já em dificuldade por terem escolhido a vida, devem ser ajudadas a ter acesso à força salvífica dos Sacramentos
Por Vatican News
As mães solo que optaram por manter seus filhos fora do casamento não devem ser impedidas, mas incentivadas a ter acesso aos sacramentos. É o que afirma o Dicastério para a Doutrina da Fé em resposta a uma pergunta de dom Ramón Alfredo de la Cruz Baldera, bispo de San Francisco de Macorís, na República Dominicana.
Carta aprovada pelo Papa
Em uma carta assinada pelo cardeal Prefeito Victor Manuel Fernández, aprovada na quarta-feira, 13 de dezembro, pelo Papa Francisco e publicada esta quinta-feira no site do Dicastério, o objetivo é responder à preocupação do bispo dominicano com o comportamento de algumas jovens solteiras que “se abstêm da comunhão por medo do rigorismo do clero e dos líderes comunitários”. Observa-se que “em alguns países, tanto os padres quanto alguns leigos realmente impedem que as mães que tiveram um filho fora do casamento tenham acesso aos sacramentos e até mesmo que batizem seus filhos”.
Eucaristia, resposta de Deus à fome do coração humano
Recentemente – destaca a Carta – o Papa Francisco recordou que “a Eucaristia é a resposta de Deus à fome mais profunda do coração humano, à fome de vida verdadeira: nela, o próprio Cristo está verdadeiramente no meio de nós para nos nutrir, consolar e sustentar em nosso caminho” (Discurso ao Comitê Organizador do Congresso Eucarístico Nacional dos EUA, 19 de junho de 2023). Portanto, “as mulheres em tal situação que optaram pela vida e levam uma existência muito complexa por causa dessa escolha devem ser incentivadas a ter acesso à força salvífica e consoladora dos Sacramentos”.
A coragem das mães solteiras
O caso concreto das mães solo e as dificuldades que elas ou seus filhos encontram para acessar os Sacramentos, observa o texto, já havia sido denunciado pelo Santo Padre quando era cardeal de Buenos Aires: “há sacerdotes que não batizam os filhos de jovens solteiras porque não foram concebidos na santidade do matrimônio’. Esses são os hipócritas de hoje. Aqueles que clericalizaram a Igreja. Aqueles que afastam o povo de Deus da salvação. E aquela pobre jovem, que poderia ter mandado seu filho de volta ao remetente, mas teve a coragem de trazê-lo ao mundo, vai de paróquia em paróquia para batizá-lo” (Homilia de setembro de 2012).
O Papa Francisco – observe-se – reconheceu a coragem dessas mulheres em levar a gravidez adiante: “Sei que não é fácil ser uma mãe solo, sei que às vezes as pessoas podem olhar mal para você, mas digo-lhe uma coisa: você é uma mulher corajosa porque foi capaz de trazer essas duas filhas ao mundo. Você poderia tê-las matado quando estavam em seu ventre, mas você respeitou a vida, respeitou a vida que tinha dentro de si, e Deus a recompensará por isso, Ele a recompensa. Não se envergonhe, ande de cabeça erguida. “Eu não matei minhas filhas, eu as trouxe ao mundo!” Eu a parabenizo, e Deus a abençoe” (videoconferência transmitida pela BBC, 4 de setembro de 2015).
Ser mãe solteira não impede o acesso à Eucaristia
Nesse sentido, continua a Carta assinada pelo cardeal Fernández, “é necessário trabalhar pastoralmente na Igreja local para fazer entender que o fato de ser mãe solo não impede o acesso à Eucaristia. Como todos os outros cristãos, a confissão sacramental dos pecados cometidos permite que elas se aproximem da Comunhão. A comunidade eclesial também deve apreciar o fato de que elas são mulheres que aceitaram e defenderam o dom da vida que carregaram em seu ventre e que lutam, todos os dias, para criar seus filhos”.
Certamente, observa-se, “há situações difíceis que precisam ser discernidas e acompanhadas pastoralmente. Pode acontecer que algumas dessas mães, dada a fragilidade de sua situação, às vezes recorram à venda de seus próprios corpos para sustentar a família. A comunidade cristã é chamada a fazer tudo o que puder para ajudá-las a evitar esse risco muito sério, em vez de julgá-las com severidade”.
A lógica da compaixão
Por isso – afirma a Carta -, “os Pastores que propõem aos fiéis o ideal pleno do Evangelho e da doutrina da Igreja devem ajudá-los também a assumir a lógica da compaixão para com as pessoas frágeis e a evitar perseguições ou julgamentos demasiado duros e impacientes” (Amoris laetitia, 308).
Em seguida, o purpurado ressalta que, muitas vezes, comentando o episódio bíblico da mulher adúltera (Jo 8, 1-11), a frase final é enfatizada: “não peques mais”. Certamente, “Jesus sempre convida as pessoas a mudarem suas vidas, a responderem mais fielmente à vontade de Deus, a viverem com maior dignidade. No entanto, essa frase não constitui a mensagem central dessa perícope evangélica, que é simplesmente o convite a reconhecer que ninguém pode atirar a primeira pedra”. É por isso, acrescenta, “que o Papa Francisco, referindo-se às mães que têm que criar seus filhos sozinhas, lembra-lhes que “nas situações difíceis vividas pelas pessoas mais necessitadas, a Igreja deve ter um cuidado especial para compreendê-las, consolá-las e integrá-las, evitando impor-lhes uma série de regras como se fossem pedras, tendo assim o efeito de fazê-las sentir-se julgadas e abandonadas exatamente por aquela Mãe que é chamada a levar-lhes a misericórdia de Deus” (Amoris laetitia, 49).
Atitudes machistas e ditatoriais
O prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé recorda o que o Papa disse em sua mensagem ao Sínodo sobre o rosto feminino e materno da Igreja, denunciando as “atitudes machistas e ditatoriais” daqueles ministros que “exageram em seu serviço e maltratam o povo de Deus” (Discurso ao Sínodo dos Bispos, 25 de outubro de 2023).
“Cabe ao senhor – conclui o cardeal Fernández em sua resposta ao bispo de San Francisco de Macorís – garantir que tais comportamentos não ocorram em sua Igreja local”.
Foto de Liana Mikah / Unsplash