O debate sobre a dignidade da pessoa humana e o cuidado da vida desde a concepção até o seu fim natural sempre causam importantes debates que afetam questões além dos posicionamentos religiosos. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), por meio de sua Comissão para a Doutrina da Fé, tratou desse tema num recente subsídio sobre “Vida, Dom e Compromisso II”. Aqui trazemos alguns elementos desse estudo.
Partimos de uma questão fundamental que, muitas vezes, é esquecida: Quando começa a vida humana? A resposta a tal questão, propositalmente deixada de lado no debate atual, poderia pôr fim à disputa sobre a legalidade dos atos abortivos, pois, se estamos diante de uma vida humana, desde o primeiro instante da fecundação, então o aborto seria um crime, e, se não estamos, ele seria legal.
Durante a relação íntima de um casal, entre 200 e 600 milhões de espermatozoides, participam do processo da geração de uma nova pessoa humana e, em termos gerais, pode-se dizer que somente um fecundará o óvulo e dará origem a uma nova vida. Como essa nova pessoa humana é caracterizada pelo patrimônio genético recebido dos pais, e esse é diferente em cada espermatozoide e em cada óvulo, isso significa que aquela nova vida que foi gerada é única e irrepetível, de tal modo que, se outro espermatozoide ou outro óvulo tivesse participado da fecundação, teria, como resultado, outra pessoa única e irrepetível.
O processo natural de concepção não é determinado pelo pai nem pela mãe. O espermatozoide e o óvulo que deram origem à nova vida se encontram por uma misteriosa razão alheia ao controle dos genitores; ou seja, os pais são colaboradores do processo que leva à concepção, mas não podem determinar qual óvulo e qual espermatozoide serão fecundados. Esse processo é um sinal evidente de que a vida é um grande dom, recebido gratuita e imerecidamente, sem qualquer escolha prévia de existir ou não. Daqui surge, então, a pergunta: Em que momento essa nova, única e irrepetível vida começa a existir?
O momento do início da vida humana não é um dogma de fé e, nem mesmo, da ciência. A convergência de muitos dados científicos oferece, porém, a possibilidade de determinar quando, no processo de desenvolvimento de uma nova pessoa, podemos dizer que já estamos diante de uma nova vida humana. Dois campos do saber humano oferecem suficientes contribuições para essa determinação: as Ciências Biomédicas, particularmente a Genética, a Embriologia e a Filosofia.
Essas áreas do conhecimento permitem concluir que, desde o primeiro instante da fecundação, estamos diante de um ser humano. Aceitar, portanto, que só a concepção pode ser definida como o marco inicial da vida da pessoa humana não é, absolutamente, uma velha e piedosa crença religiosa nem uma vazia e ilusória teoria metafísica, mas um dado extremamente preciso da Biologia moderna e das mais avançadas pesquisas genéticas. Não se trata de mera opinião religiosa ou demagogia; é, de fato, uma questão científica, filosófica, antropológica, ética e teológica.
O ser humano deve ser respeitado e tratado como uma pessoa desde a sua concepção e, por isso, desde esse mesmo momento, devem-lhe ser reconhecidos os direitos da pessoa, entre os quais – e primeiro de todos – o direito inviolável à vida de cada ser humano inocente (Evangelium Vitae, 60).
Dom Leomar Antônio Brustolin
Arcebispo de Santa Maria (RS)