“Os idosos são homens e mulheres, pais e mães que foram antes de nós nessa nossa mesma estrada, na nossa mesma casa, na nossa cotidiana batalha por uma vida digna. São homens e mulheres de quem nós recebemos muito”, disse o papa Francisco na catequese da quarta-feira, 4 de março, no Vaticano. O pontífice tem refletido temáticas sobre a família.
Confira a íntegra da catequese:
CATEQUESE
Praça São Pedro – Vaticano
Quarta-feira, 4 de março de 2015
Boletim da Santa Sé
Tradução: Jéssica Marçal
Queridos irmãos e irmãs, bom dia,
A catequese de hoje e a da próxima quarta-feira são dedicadas aos idosos, que no âmbito da família são os avós, os tios. Hoje, vamos refletir sobre a problemática condição atual dos idosos e, da próxima vez, isso é, na próxima quarta-feira, de forma mais positiva, sobre a vocação contida nesta idade da vida.
Graças aos progressos da medicina, a vida se alongou: mas a sociedade não se “alargou” à vida! O número de idosos se multiplicou, mas as nossas sociedades não se organizaram o suficiente para dar lugar a eles, com justo respeito e concreta consideração por sua fragilidade e sua dignidade. Enquanto somos jovens, somos induzidos a ignorar a velhice, como se fosse uma doença a manter distante; depois, quando nos tornamos velhos, especialmente se somos pobres, se estamos doentes, sozinhos, experimentamos as lacunas de uma sociedade programada sobre a eficiência, que consequentemente ignora os idosos. E os idosos são uma riqueza, não podem ser ignorados.
Bento XVI, visitando uma casa para idosos, usou palavras claras e proféticas, dizia assim: “A qualidade de uma sociedade, gostaria de dizer de uma civilização, se julga também pelo modo como os idosos são tratados e pelo lugar reservado a eles no viver comum” (12 de novembro de 2012). É verdade, a atenção aos idosos faz a diferença de uma civilização. Em uma civilização há atenção para o idoso? Há lugar para o idoso? Esta civilização seguirá adiante se souber respeitar a sabedoria, a sabedoria dos idosos. Em uma civilização em que não há lugar para os idosos ou são descartados porque criam problemas, esta sociedade leva consigo o vírus da morte.
No Ocidente, os estudiosos apresentam o século atual como o século do envelhecimento: os filhos diminuem, os velhos aumentam. Este desequilíbrio nos interpela, antes, é um grande desafio para a sociedade contemporânea. No entanto, uma cultura do lucro insiste em fazer os velhos parecerem um peso, um “lastro”. Não só não produzem, pensa esta cultura, mas são um fardo: em suma, qual é o resultado de pensar assim? São descartados. É ruim ver os idosos descartados, é uma coisa ruim, é pecado! Não se ousa a dizer isso abertamente, mas se faz isso! Há algo de vil nesta dependência à cultura do descartável. Mas nós estamos habituados a descartar pessoas. Queremos remover o nosso elevado medo da fraqueza e da vulnerabilidade; mas assim fazendo aumentamos nos idosos a angústia de serem mal suportados e abandonados.
Já no ministério de Buenos Aires, vi de perto esta realidade com os seus problemas: “Os idosos são abandonados, e não só na precariedade material. São abandonados na egoísta incapacidade de aceitar os seus limites que refletem os nossos limites, nas numerosas dificuldades que hoje devem superar para sobreviver em uma civilização que não permite a eles participar, ter uma palavra a dizer, nem de ser referência segundo o modelo consumista do ‘somente os jovens podem ser úteis e podem desfrutar’. Estes idosos deveriam, em vez disso, ser, para toda a sociedade, a reserva de sabedoria do nosso povo. Os idosos são a reserva de sabedoria do nosso povo! Com quanta facilidade se coloca para dormir a consciência quando não há amor!” (Só o amor pode nos salvar, Cidade do Vaticano 2013, p. 83). E assim acontece. Eu recordo, quando visitava as casas de repouso, falava com cada um e tantas vezes ouvi isso: “Como a senhora está? E os seus filhos? – Bem, bem – Quantos filhos a senhora tem? – Tantos. E eles vêm visitá-la? – Sim, sim, sempre, sim, vêm. – Quando vieram pela última vez?”. Recordo uma idosa que me dizia: “Foi no Natal”. Estávamos em agosto! Oito meses sem ser visitada pelos filhos, oito meses abandonada! Isto se chama pecado mortal, entendido? Uma vez, quando criança, a avó nos contava uma história de um avó idoso que, ao comer, se sujava porque não podia levar bem a colher com a sopa à boca. E o filho, o pai da família, decidiu tirá-lo da mesa comum e fez uma mesinha em uma cozinha, onde não podia ser visto, para que comesse sozinho. E assim não daria uma má impressão quando chegassem os amigos para almoçar ou jantar. Poucos dias depois, chegou à casa e encontrou o seu filho menor que brincava com a lenha e o martelo e os pregos fazendo alguma coisa ali, disse: “O que você está fazendo? Faço uma mesa, papai. – Uma mesa, para que? – Para você ter uma quando se tornar idoso, assim você pode comer ali”. As crianças têm mais consciência que nós!
Na tradição da Igreja, há uma riqueza de sabedoria que sempre apoiou uma cultura de proximidade aos idosos, uma disposição ao acompanhamento afetuoso e solidário nesta parte final da vida. Tal tradição está enraizada nas Sagradas Escrituras, como atestam, por exemplo, estas expressões do Livro do Eclesiástico: “Não desprezes os ensinamentos dos anciãos, pois eles aprenderam com seus pais. Estudarás com eles o conhecimento e a arte de responder com oportunidade” (Eclo 8, 11-12).
A Igreja não pode e não quer se conformar a uma mentalidade de impaciência e tão pouco de indiferença e desprezo em relação à velhice. Devemos despertar o sentido coletivo de gratidão, de apreço, de hospitalidade, que façam o idoso se sentir parte viva da sua comunidade.
Os idosos são homens e mulheres, pais e mães que foram antes de nós nessa nossa mesma estrada, na nossa mesma casa, na nossa cotidiana batalha por uma vida digna. São homens e mulheres de quem nós recebemos muito. O idoso não é um alienígena. O idoso somos nós: em breve, em muito tempo, inevitavelmente, de qualquer maneira, mesmo se nós não pensamos nisso. E se nós aprendemos a tratar bem os idosos, assim nos tratarão.
Frágeis todos somos um pouco. Alguns, porém, são particularmente frágeis, muitos são sozinhos, e marcados pela doença. Alguns dependem de cuidados indispensáveis e da atenção dos outros. Vamos dar um passo atrás nisso? Vamos abandoná-los ao próprio destino? Uma sociedade sem proximidade, onde a gratuidade e afeto sem contrapartida – mesmo entre estranhos – vai desaparecendo, é uma sociedade perversa. A Igreja, fiel à Palavra de Deus, não pode tolerar estas degenerações. Uma comunidade cristã em que a proximidade e a gratuidade não fossem mais consideradas indispensáveis, perderia com isso a sua alma. Onde não há honra para os idosos, não há futuro para os jovens.