O bispo auxiliar de Curitiba (PR) e referencial da Comissão Especial de Bioética da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Reginei José Modolo, publicou um artigo, nesta segunda-feira (17), no qual questiona o motivo pelo qual a igualdade de todos prevista no Art. 5º da Constituição Federal (CF/88) não atingir as crianças que estão sendo gestadas. O questionamento se deve à grande discussão que tomou conta dos noticiários e das redes sociais nas últimas semanas diante do Projeto de Lei (PL) 1904/2024, que trata sobre a prática do aborto.
O texto legislativo altera o código penal brasileiro, ao equiparar a pena para o aborto após as 22 semanas de gestação com a de homicídio, uma vez que nesta idade gestacional o bebê já tem condições de vida fora do útero. O projeto de lei surge para coibir a morte provocada de bebês por meio da assistolia fetal, proibida pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e no momento liberada por liminar no Supremo Tribunal Federal (STF).
“Resulta que o termo, todos, para bem da verdade, expressa o acurado zelo do Legislador em colocar qualquer vida humana, de modo a nenhuma, melhor, a ninguém ficar ao desabrigo do guarda-chuva da Constituição”, aponta dom Reginei.
Em sua exposição, o bispo auxiliar de Curitiba alerta sobre os males que a legalização do aborto no Brasil pode causar. “O que alguns poucos, porém poderosos, estão arquitetando no Brasil – arquitetura/engenharia social, construção dos corpos, controle da população, biopolítica –, é negar ao embrião e/ou bebês in utero o status de pessoa, para que se os possa matar sem que se cometa crime, descriminalização. Ninguém poderia questionar que os judeus, ciganos e outros eram vidas humanas, seres humanos, então se lhes negara a nacionalidade alemã”, diz.
“Ninguém pode objetar cientificamente que o embrião e/ou feto não é uma vida humana, um ser humano em uma das suas várias fases de desenvolvimento. Porém, fazendo uso do mesmo modus operandis, defensores do aborto, intentam negar ao embrião e/ou bebês in utero o status de pessoa, bem como excluí-los do “todos”, presente no texto da Carta Magna. Se bem-sucedidos, tornarão elimináveis qualquer vida humana in utero – por enquanto estas –, vidas matáveis sem que se cometa crime”, completa.
Leia o artigo na íntegra:
O BRASIL E A VIDA: TODOS SÃO IGUAIS PERANTE A LEI!?
Dom Reginei José Modolo
Bispo auxiliar de Curitiba (PR)Para o propósito deste breve artigo, convém retomar o texto da nossa Constituição Federal,
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade…”.Observe-se que a Carta Magna usa o termo, literis, todos.
A pergunta que se impõe:
Estaria o Constituinte, ao não citar literalmente na Carta Magna crianças, idosos, jovens… colocando-os ao desabrigo jurídico e os tornando matáveis sem que se cometa crime? Você assim acredita? Existe alguém a assim interpretar?
Bem, esta é uma das lógicas manifestas nas arguições abortistas.Tais arguições, em razão de a Constituição Brasileira não citar textualmente como sendo pessoa os seres humanos na fase inicial do seu desenvolvimento, a saber, os termos embrião e/ou feto, concluem que o direito à vida não os alcança. Parece simplista, mas o argumento despojado de toda a longa oratória que o acompanha, é apenas isto, é só o que lhe resta.
Ora, igualmente veraz é o texto constitucional não negar ao embrião e/ou feto o status de pessoa, da mesma forma que não o nega a nenhum ser humano bebê, criança, idoso, jovem… embora não os cite. Simplesmente não os elenca.
Além disso, os constituintes, conhecedores que eram do Código Penal vigente, não o refutaram. Ao contrário, mantiveram-no e a vontade deles na defesa da vida nascente está claramente manifesta, registrada e acessível a partir da análise aos anais da Câmara dos Deputados e Senado Federal, notas taquigráficas de todas as deliberações, pareceres e emendas ao Anteprojeto que desaguou na Constituição Federal de 1988.
Ali, nos registros contidos nas referidas notas, fica evidente que a proteção à vida humana nascente, assegurada pelo Código Penal de 1940, continuou sendo defesa e foi assumida na Constituição atual. A leitura destas traz a lume que as diferentes propostas de ementas apresentadas por diversos parlamentares seguem sempre na direção de proteção da vida “desde a concepção”, expressão já então presente no Código Penal.
Resulta que o termo, todos, para bem da verdade, expressa o acurado zelo do Legislador em colocar qualquer vida humana, de modo a nenhuma, melhor, a ninguém ficar ao desabrigo do guarda-chuva da Constituição.
Fato também é o regimento pátrio, não a Constituição, mas o Código Civil, Art. 2º, preceituar que “a personalidade da pessoa começa no nascimento com vida”. Porém, o faz com exatidão na locução: “a personalidade da pessoa…”. Ou seja, o próprio Código Civil reconhece estar diante de uma pessoa e o faz como Conditio sine qua non, pois caso não estivesse, nem mesmo com o nascimento, o ser humano nascido teria personalidade jurídica, como de fato não a tem os vegetais, répteis, aracnídeos…
Preciosa é a continuidade do referido artigo, precedida pela oração subordinada adversativa, mas, a qual presta o valoroso serviço de ressalvar e advertir “que a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”. Precisamente como as notas taquigráficas expressam ser a vontade do Constituinte.
O Código Civil, reforça assim a verdade de que não é o regramento pátrio que concede a condição de pessoa. Ser pessoa não é uma concessão estatal – pois precedente ao Estado, o qual tem sua origem e razão em protegê-la –, mas uma realidade intrínseca à condição humana e que, por isso, “a lei põe a salvo, desde a concepção”. Esta percepção e recepção são sumamente relevantes para que um vergonhoso e abominável erro passado não se repita e seja cometido em nosso solo.
Aflora então a indagação acerca de como durante a segunda guerra mundial foi legitimado matar milhares de judeus e, inclua-se, ciganos e tantos outros inocentes sem que se cometesse crime? A resposta é: a implementação de um mecanismo político jurídico. Este mecanismo possibilitou matá-los sem que se cometesse crime.
Sendo a nacionalidade um vínculo jurídico político que liga um indivíduo ao Estado e o titula de direitos e deveres oponíveis àquele Estado, os alemães, conforme legislação, gozavam do direito à vida. Judeus, ciganos e outros, ao serem destituídos de sua nacionalidade alemã, ficaram desprotegidos, ao alvedrio de interesses particulares e tornados vidas matáveis. Matá-los deixou de ser crime. Eis a razão da preocupação em fazer constar na Declaração Universal de Direitos Humanos, o seu art. 15, “Todo indivíduo tem direito a ter uma nacionalidade”.
O que alguns poucos, porém poderosos, estão arquitetando no Brasil – arquitetura/engenharia social, construção dos corpos, controle da população, biopolítica –, é negar ao embrião e/ou bebês in utero o status de pessoa, para que se os possa matar sem que se cometa crime, descriminalização. Ninguém poderia questionar que os judeus, ciganos e outros eram vidas humanas, seres humanos, então se lhes negara a nacionalidade alemã.
Situação semelhante é encontrada no histórico caso “Dred Scott”, em que a Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu, em caráter nitidamente político e de conteúdo moral inaceitável, que negro não é pessoa, e por isso seria legal a escravidão.
Ninguém pode objetar cientificamente que o embrião e/ou feto não é uma vida humana, um ser humano em uma das suas várias fases de desenvolvimento. Porém, fazendo uso do mesmo modus operandis, defensores do aborto, intentam negar ao embrião e/ou bebês in utero o status de pessoa, bem como excluí-los do “todos”, presente no texto da Carta Magna. Se bem-sucedidos, tornarão elimináveis qualquer vida humana in utero – por enquanto estas –, vidas matáveis sem que se cometa crime.
Eis aí, com clareza ímpar e manifesta, a necessidade de aprovação do PL 1904/2024. Embora insuficiente para que a vida humana seja protegida em todas as etapas do seu desenvolvimento, da concepção à morte natural, é um passo gigantesco em tal direção.
Inegável e inquietante é a tentativa de impor no regramento pátrio da Mãe Gentil, por letra ou interpretação, diga-se, nada conforme, o infame e letal esquema político jurídico de outrora, fazendo do seu Solo um Campo de Morte.