A espiritualidade cristã é a espiritualidade de Jesus. Se nos esforçamos para viver como Ele, o Espírito Santo vem em socorro da nossa fraqueza e nos faz sair de nós mesmos para nos colocar a serviço dos irmãos, a partir da nossa casa.
Se nos centramos em nós mesmos, nossa vida perde sentido. Os ‘cristãos de sofá’ pouco a pouco vão agasalhando em seus corações o desânimo, o comodismo, a tristeza, e a omissão faz-se hóspede da alma.
Que o Senhor nos livre de servir-nos a nós mesmos. Uma laranjeira nunca dá frutos para si mesma. Faz-se tudo para todos. Restaura as forças do homem, alimenta os pássaros e, se ninguém se serve dela, entrega-se à terra quando seu tempo chega ao fim e a fecunda.
T Sem a árvore, a laranja não existiria; sem o Espírito Santo, nada podemos e somos como uma pedra no caminho. Tu és a árvore, Senhor; nós, os ramos. Que possamos viver alimentados e seduzidos por Ti, porque “quem não se deixa seduzir por Ti acaba sendo conduzido por si mesmo”.
Sem o casal, não existiriam os filhos. O bom Deus criou-os homem e mulher, à sua imagem e semelhança, abençoou-os e mandou que frutificassem e se multiplicassem (Gn 1,28). Criou-os com amor para que fossem buscadores do Amor. Chamados a santificar seu matrimônio e a se santificarem nele, são também chamados a sobrenaturalizar as situações humanas.
T Senhor, ajuda-nos a sobrenaturalizar nossa vida familiar e também o relacionamento com o próximo, vivendo em Ti e contigo.
Os esposos cristãos são chamados a exercer sua missão conjugal e familiar imbuídos do Espírito de Cristo; que sejam robustecidos e até mesmo consagrados para os deveres e dignidades inerentes ao sacramento que receberam, que se aproximem cada vez mais da sua própria perfeição e mútua santificação, contribuindo para a glorificação de Deus (cf. Gaudium et spes 48).
A espiritualidade familiar é a arte de viver na família o ideal evangélico que Cristo propõe aos seus discípulos. A família começa com o casal, que tem a vocação de “caminhar juntos em direção a Cristo, um e o outro, um com o outro, um pelo outro” (Pe. Caffarel).
Também nas pequenas realidades do dia a dia Cristo está presente. Elas nem sempre são tecidas pelo fio da alegria e da saúde; tantas vezes são bordadas com o sofrimento, que parece tingir de escuridão o que até então era cheio de cores. Em tudo Tu estás e nos vês, Jesus, porque vives no meio de nós e conheces nossa conduta.
T Senhor, na nossa família temos pontos positivos e negativos. Os positivos são sinal da tua salvação; os negativos, sinal da nossa recusa ao teu amor (cf. FC 6). Que os dons que nos concedes se tornem presentes que oferecemos um ao outro em nosso casamento, e nós dois aos filhos, e os filhos a nós, para que juntos ajudemos a construir teu Reino de amor.
A Cida e eu fomos casados por 30 anos e 2 meses; agora faz 25 anos que ela foi para a casa do Pai. Por quase 4 anos vivemos juntos sua doença: carcinóide nofígado. Quando tinha saúde, caminhava e sempre reservava tempo para visitar Jesus, rezando por mim e por nossos filhos. Já no fim da vida, ficou 1 ano e 2 meses sem poder sair da cama e, às vezes, as dores eram tão fortes que nem a morfina aliviava. Eu dormia no chão para não tocar nela, em razão das dores. Ao meio-dia, contudo, deitava-me com todo o cuidado ao seu lado. Num desses dias, quando acordou, eu estava com a mão em seu peito. Ela me olhou e disse: “Ah, és tu; eu pensei que fosse Jesus!” A paciência em tudo e a resignação à santa vontade eram o seu sacrário.
T Senhor, ao casar homem e mulher se prometem ser fiel na saúde e na doença, na tristeza e na alegria: dá-nos a graça e a força para sermos fiéis um ao outro, amando-nos e amando-Te em nosso cônjuge. Se vier o sofrimento, que o vivamos contigo, que dás força e te serves da dor para nos transformar.
Nas internações hospitalares, eu ficava o tempo todo com a Cida. Na última, ela se alimentava só de soro. Um dia de manhã, contudo, manifestou vontade de comer. Maçã. Raspei metade da metade de uma maçã e lhe dei. No final, um pouquinho de chá. Então, beijei-a nos lábios e logo sentei. Demo-nos as mãos. Com muita ternura ela me olhou e disse: “Querido!”. Foi sua última palavra e guardo-a como um tesouro, junto com seu olhar.
T Senhor, que nossas palavras edifiquem nossa família e juntos louvemos a Ti; que nossa saúde e nossa doença tenham o dom de transmitir aTuaface ao cônjuge, aos filhos e a todos aqueles que puseres em nossa vida. Que nos ajudes a tomar a nossa cruz cada dia sem nos apegarmos a nada. Que nós dois possamos chegar bem junto dos filhos e dar-Te a eles.
Dos 30 anos de casados, os mais fecundos e os mais alegres em Cristo, foram os quase 4 anos da doença da Cida. Por isso, digo: louvado seja o Senhor pelo amor, louvado seja o Senhor pela doença e pela morte, louvado seja o Senhor quando nos permitir, como prêmio do amor que nos uniu, apresentar nosso cônjuge, nossos filhos e aqueles de quem devemos cuidar, assim como o Apóstolo escreve aos Efésios:
T “Sem mácula, sem ruga, sem qualquer outro defeito semelhante, mas santo e irrepreensível” (5,27).
Cristo é Cabeça do pequeno corpo místico que é a família, Igreja doméstica: Ele é o semeador que ensina os membros da família a não cansar de semear. Tudo lhe pertence no lar fundado pelo sacramento; os pais, os filhos, a casa. Ele é Senhor. Que o lar reconheça seu senhorio e a oração guarde cada um. Santa Zélia, esposa de São Luís, mãe de Santa Teresinha, queria ter muitos filhos para colocá-los todos no Céu.
T Que também nossos joelhos encontrem a terra, para chegarmos juntos ao Céu!
Um dia, atendendo jovem senhora que o marido havia abandonado, disse-lhe que as tentações viriam e que ela estivesse atenta e lutasse. Recordei-lhe o alerta de São Paulo: “Quem está de pé, cuide para não cair” (1Cor 10,12). Ao que ela respondeu: “É por isso que a gente deve ficar de joelhos, não é?”
T Senhor, revigora nossos joelhos cambaleantes. Quando marido e mulher descobrem a alegria de se pôr de joelhos, já aqui na terra podem começar a contemplar o rosto de Cristo também um no outro.
Amiga minha, mãe de jovem médico cirurgião, contou-me pedido que recebeu do filho:
– Mãe, compra um tapetinho pra mim? Meus joelhos estão com muitos calos, doem quando rezo!
Como não ser assim quem aprendeu desde cedo, na casa dos pais, que à altura verdadeira só se pode chegar quando a mãe terra acolhe os joelhos dos filhos que querem ir para o Céu?
Desde pequeninos nossos filhos rezavam conosco, de joelhos. Certa noite, a Raquel disse: “Pai, por que não convidas São José para ser o padroeiro da nossa família?” A partir daquele dia, ele cuida de nós. Santa Teresa d’Ávila, grande devota, ainda hoje insiste: “Experimenta a bondade de São José, confia nele. São José não falha!” Tenho experimentado isso em minha vida.
T Quantas graças a oração traz para a família! Quanto mais se reza, mais vontade se tem de rezar; quanto mais se reza, mais desperta em nós a consciência de sermos pecadores, e então vamos buscar a Confissão. Quanto mais em estado de graça, mais graças recebemos. Que não possamos viver sem o Pão nosso de cada dia, a Eucaristia.
A Eucaristia nos convida à santidade nas pequenas coisas de cada dia. Das grandes cuida o próprio Deus. A mulher que prepara o almoço com amor, por exemplo, convida o próprio Senhor para estar com sua família. Se ela tem na Eucaristia seu alimento, a alimentação que prepara para os seus é mesmo o pão partido.
Assim como o Pai nos convida para a mesa da Eucaristia, assim pai e mãe nos convidam para a mesa familiar, sinal da Eucaristia. “Jesus não instituiu a Eucaristia num ambiente familiar, durante a última Ceia?” (CF 18).
O pai que, muitas vezes com um salário mínimo, se esforça e oferece seu trabalho para o sustento da família, encontra, na própria cruz de cada dia, a Eucaristia, porque nela acha Cristo vivo. E seu amor de pai e esposo como que se ‘transubstancia’ no feijão, no leite, em cada alimento posto na mesa. Também ele partilha o pão.
É em pais assim, “que trabalham a fim de trazer o pão para casa”, que o Papa Francisco “gosta de ver a santidade” (cf. GetE 7). A Eucaristia fecunda o amor familiar!
T Alimentados pela Eucaristia, os pais se tornam eucaristia para os filhos. As graças que recebem se concretizam na doação de si mesmos, porque a Eucaristia é “a fonte própria de seu matrimônio” (FC 57).
Meus irmãos: que nossa família se torne aquilo que deve ser: comunidade de fé, santuário da vida, laboratório de fraternidade, berço do amor, ‘hospital de campanha’, lugar de viver a Eucaristia. Que vivamos da Eucaristia e nos tornemos eucaristia para o mundo!
Um sacerdote amigo, missionário na Amazônia, veio visitar-nos. Pedimos que falasse a um grupo de jovens sobre sua missão. Ele falou sobre canoa de pau em rios selvagens, aldeias isoladas, acidentes e desafios. Em determinado momento, um dos jovens perguntou:
– Padre, de todas as suas viagens, qual foi a mais difícil?
Ele parou alguns momentos de olhos fechados e depois, olhando para o rapaz, respondeu:
– A viagem mais difícil foi sair de mim para chegar ao coração do próximo.
T “Se o homem soubesse as vantagens de ser bom quando é egoísta, seria homem de bem por egoísmo!” Senhor, dá-nos coragem para combater nosso ego e o tentador, a fim de nos entregarmos a Ti e aos outros.
Na família, o amor do pai e da mãe é chamado a tornar-se para os filhos o sinal visível do próprio amor de Deus, “do qual deriva toda a paternidade no céu e na terra” (Ef 3,15). “Shemá, Israel! Ouve, ó Israel! O Senhor, nosso Deus, é o único Senhor. Tu inculcarás seus mandamentos em teus filhos e deles falarás, seja sentado em tua casa, seja andando pelo caminho, ao te deitares e ao te levantares” (Dt 6,4.7).
Tua casa, meu irmão, minha irmã, é solo sagrado. Que ali Deus tenha o primeiro lugar e Nossa Senhora e São José sejam honrados. Como a um novo Moisés, também a ti o Senhor diz: “Tira as sandálias dos teus pés, porque o lugar em que te encontras é uma terra santa” (Êx 3,5). Não permitas que o lixo entre nela, o lixo que tantos meios de comunicação nela querem despejar. Nosso lar não é aterro sanitário, mas casa do Senhor!
T Senhor, “pela graça do sacramento do matrimônio os pais receberam a responsabilidade e o privilégio de evangelizar os filhos” (CIgC 2225). Perdoa nossas omissões e faz-nos ser “pais de comprovada virtude”. Nós geramos nossos filhos para a pátria terrena; não podemos esquecer que, ao mesmo tempo, os geramos para Deus (cf. “Carta às Famílias”, n. 22).
Quase um século atrás, na encíclica “Casti connubii” – Sobre o Matrimônio Cristão, o Papa Pio XI lastimava “verificar na maior parte dos homens, a ignorância total da altíssima santidade do matrimônio cristão” (n. 3). A humanidade daquele tempo, “apoiando-se sobre os princípios falsos de uma moralidade nova e absolutamente perversa, escrevia o Pontífice, calcava essa santidade aos pés” (idem). Então, ele levantou sua voz apostólica para, advertindo, “afastar dos pastos envenenados as ovelhas que lhe haviam sido confiadas” (idem, ibidem).
T Senhor, que cada um de nós “se empenhe em salvar e promover os valores e as exigências da família, porque é necessário que as famílias do nosso tempo tomem novamente altura! É necessário que sigam a Cristo” (Exortação apostólica “Familiaris consortio” – Sobre a função da família cristã no mundo de hoje, São João Paulo II, Conclusão).
“Se eu não tenho amor, eu nada sou” (1Cor 13,2). “Amar é bom porque é difícil” (Rilke); “amar dói” (Santa Teresa de Calcutá), e tempo é uma questão de amor. “O amor precisa de tempo disponível e gratuito, colocando outras coisas em segundo lugar” (AL 224).
T Senhor, dá-nos sabedoria para que o tempo não se torne nosso dono. Que saibamos aproveitá-lo “para dialogar, abraçar-nos sem pressa, escutar-nos, olhar-nos nos olhos” (AL 224) e, como o pai do filho pródigo, não cansemos de “correr ao encontro dos nossos, lançar-nos ao seu pescoço e beijá-los” (cf. Lc 15,20), porque o amor sempre vai ao encontro. “No dia em que não mais ardermos de amor, muitos outros morrerão de frio” (Mauriac).
Tenhamos tempo, tempo com qualidade, para nosso cônjuge, nossos filhos, para aqueles que o Senhor põe em nossa vida. Do tempo só se colhe o que nele se semeia.
T “Que o homem carregue nos ombros a graça de um pai, que a mulher seja um céu de ternura, aconchego e calor, e que os filhos conheçam a força que brota do amor” (Pe. Zezinho). Que nosso cônjuge não seja viúvo de mulher viva nem a mulher seja viúva de marido vivo, e que os filhos não sejam tristes órfãos de pais vivos.
Jesus, prometeste que não nos deixarias órfãos (Jo 14,18): nos deixaste o Espírito Santo! Faze que em nossa família vivamos o amor e que nela transmitamos a fé, a esperança e a caridade que nos animam.
“O amor é exigente. Que o pai e a mãe se deem aos filhos. Também a nós Jesus repete: “De graça recebestes, de graça dai” (Mt 10,8).
T Jesus, “o matrimônio consiste em dar-se um ao outro para, juntos, dar-se aos outros”. Ajuda-nos a dar o que somos e temos, porque devemos renunciar a nós mesmos, tomar nossa cruz e seguir-te. Assim seremos bem-aventurados, porque “as alegrias mais intensas da vida surgem quando se pode provocar a felicidade dos outros, em uma antecipação do Céu” (Papa Francisco, “Amoris laetitia” – A alegria do amor, 129).
“Amor familiar: vocação e caminho de santidade” é o tema do nosso Congresso. “A glória de homens e mulheres é a capacidade de amar como Deus ama, e não há nada que ensine melhor o significado do amor do que a família” (Dom Charles Chaput, Arcebispo de Filadélfia).
Aprende-se a amar, amando. Quanto mais amamos, mais chegamos perto do amor. Deus é amor (1Jo 4,8.16). Que se revela a nós nas pessoas, nos acontecimentos e, de modo particular, na sua Palavra. “Prezadas famílias – as palavras são do querido Papa Francisco – escutai a Palavra de Deus, meditai na Palavra de Deus, juntos, orai com a Palavra do Senhor, deixai que o Senhor preencha vossas vidas com a misericórdia”.
T Senhor, “ler juntos o Evangelho em família é uma das mais bonitas e eficazes formas de rezar. Gostas disso de uma maneira particular. Temos necessidade de escutar. Este é o primeiro passo da oração cristã: ouvir-te a ti, o Senhor que nos fala” (Dom Vincenzo Paglia). Escutemos o Senhor juntos para aprendermos a ouvir-nos uns aos outros com os ouvidos do Senhor.
Que despertemos sempre mais para a leitura orante, acolhendo a Palavra como pessoa, como casal e como família. Com a graça de Deus, vamos ler, meditar e orar a Palavra, colocando-a em prática na vida.
Como Josué, digamos:
T “Eu e minha família serviremos o Senhor” (Js 24,15).
Deixemo-nos modelar pelo Divino Oleiro. “Abandonando-nos em seus braços, seremos transformados. Tudo acabará bem se tivermos Jesus conosco!” (São John Newman).
T Fica comigo, Jesus! “Deixo com paz, em tuas mãos, o que deveria ter sido e não fui, o que deveria ter feito e não fiz. Como esses feridos que sofrem, peço-te que acabes comigo. Estou cansado de não ser teu, de não ser Tu” (Ignacio Larrañaga). Meu Jesus, me ajuda a vencer-me, para que eu possa ser o que tu queres, como marido, como esposa, como pai, mãe, filho e filha. Tu e teus pais foram “três pobres que mudaram o mundo” (Claudel). Ajuda-me a mudá-lo, contigo, mudando-me a mim mesmo, cumprindo a vocação a que me chamaste: viver o amor na família, para que possa atear o fogo do teu amor no mundo.
Jesus, Maria, José, minha família vossa é!
E agora vamos adorar Jesus no Santíssimo Sacramento do Altar. Cantemos.
A.M.D.G.
Carlos Martendal