Para celebrar o Ano Família Amoris Laetitia, que comemora os cinco anos da publicação da Exortação Apostólica Amoris Laetitia – sobre a alegria do amor na família, é bom recordar a origem do documento. Os ex-presidentes da Comissão Episcopal Pastoral Para a Vida e a Família da CNBB, dom João Carlos Petrini e dom João Bosco Barbosa de Souza, recordam o processo do Sínodo para as famílias e a recepção do documento no Brasil.
Em seus primeiros meses de pontificado, o Papa Francisco convocou a III Assembleia Geral Extraordinária, para outubro de 2014. Neste primeiro encontro, foi um grande levantamento das questões, com as diferentes regiões do mundo respondendo às perguntas colocadas pela comissão preparatória de modo que houvesse uma espécie de diagnóstico da vivência familiar no mundo inteiro.
Um dos escolhidos para representar a Igreja no Brasil na assembleia extraordinária foi o bispo de Camaçari (BA) e então presidente da Comissão Vida e Família da CNBB (2011-2015), dom João Carlos Petrini, que observa a influência das mudanças das últimas décadas sob os valores e horizontes de realização humana que orientaram durante milênios a conduta de homens e de mulheres em busca da felicidade, “mas também produzem sofrimentos e feridas abertas em muitas pessoas”.
“A percepção dessa problemática e da vulnerabilidade das relações familiares, juntamente com a certeza do grande bem que é o amor humano, quando se funda no matrimônio e é vivido segundo o desígnio de Deus, constituíram pressões para a convocação de dois Sínodos, um extraordinário e outro ordinário”, explica dom Petrini em artigo-entrevista que você pode ler na íntegra aqui.
Entre as várias temáticas abordadas nas assembleias sinodais dom Petrini destaca o olhar de realismo sobre a família contemporânea, “bem como a beleza da experiência do amor humano, quando vivido segundo o desígnio de Deus”; que a família, fundada no vínculo indissolúvel do matrimônio, constituída por um homem e uma mulher e por eventuais filhos, “é o modo melhor de viver o amor humano”; o convite do Papa a uma conversão pastoral, “de modo que fique centrada não mais na repetição de regras, mas na indicação de passos para experimentar o vínculo familiar como um recurso, como um dom precioso”; e o convite a acolher, acompanhar, discernir e integrar as pessoas machucadas por algum tipo de fracasso em sua vida familiar.
Propostas
O segundo Sínodo para as Famílias, já uma assembleia ordinária, em 2015, de acordo com dom João Bosco Barbosa, bispo de Osasco (SP) e presidente da Comissão Vida e Família de 2015 a 2019, filtrou as questões mais importantes, aquelas mais fundamentais, as discussões mais amplas e complexas. “Daí surgiram as proposições que deram origem à Amoris Laetitia esse grande documento do Papa Francisco, essa exortação Pastoral que continua viva até hoje”.
Dom João Bosco recorda que durante os sínodos o Papa Francisco abriu todas as possibilidades de debate e de diálogo. “E depois de todo esse trabalho feito, com muita liberdade ele tomou as proposições do Sínodo e transformou nesse grande documento, a Amoris Laetitia”, recorda ao salientar a postura do Papa “muito lúcida, muito aberta, muito clara com relação mesmo às questões mais polêmicas”.
O bispo ainda pontua sobre a preocupação da mídia com a eucaristia aos casais de segunda união, a questão das pessoas homossexuais, das ideologias de gênero, do aborto e outras questões polêmicas. “Os padres sinodais foram muito mais fundo. Eles trataram sim dessas questões, mas foram buscar lá nos fundamentos da antropologia humana, lá na primeira vontade de Deus de constituir a família, o fundamento sólido para construir uma família nova para o mundo novo que nós estamos vivendo”, destacou.
A Amoris Laetitia
Para dom Petrini, a Amoris Laetitia ensinou à Igreja e, de maneira especial, às famílias cristãs, a terem um olhar realista sobre a realidade familiar, “evitando uma idealização que pouco descreve o que efetivamente acontece no quotidiano das famílias, sem, todavia, perder a clareza de que a família é um dom, uma esperança para o futuro da humanidade”.
Dentro do olhar positivo e realista no documento, continua dom Petrini, citando o capítulo 3, “o Papa Francisco percorre a Palavra de Deus e o Magistério da Igreja para falar da Presença de Cristo, da graça do sacramento do matrimônio, ajudando a resgatar as possibilidades de vencer desafios apostando na beleza da conjugalidade, da paternidade e da maternidade, da condição de filho e assim por diante”.
Para dom Bosco, citando também o Papa, a Amoris Laetitia é um documento para ser lido com calma, meditado. É um documento abrangente, segundo o bispo de Osasco, que “vai desde uma visão amplíssima de toda a realidade familiar no mundo até o ensinamento do magistério da Igreja à luz da Palavra de Deus”.
O texto fala, segundo dom João Bosco, “como a vida dos casais pode ser um ninho de amor, uma alegria de amar. Porque essa é a tônica do documento, a alegria de viver o evangelho dentro da família, de ser uma igreja doméstica, a educação dos filhos, a questão da natalidade, a questão das grandes dificuldades que o mundo sofre hoje com relação à família e, sobretudo, o documento é muito claro quando ele aborda as questões dos casamentos que não são regulares: como fazer? Como acolher a cada pessoa que vive uma situação familiar nem sempre completa?”, resume.
A recepção
Receber a exortação apostólica em 2016, segundo dom Bosco, foi um processo muito natural: “Havia uma sede muito grande das famílias de conhecer e de por em prática aquilo que o Papa Francisco dizia com tanta simplicidade, mas, ao mesmo tempo, com tanta profundidade”.
“Os dois sínodos que aconteceram na Igreja e todas as catequeses do Papa e toda a discussão criada no mundo inteiro sobre a família fez com que houvesse essa grande necessidade de fazer crescer a Pastoral Familiar em todos os lugares e assim aconteceu. A Pastoral Familiar, que antes era restrita a um pequeno grupo de pessoas numa paróquia, passou a ser numa diocese inteira uma grande rede de trocas de experiências, de entreajuda, de formação, de aprofundamento, é o que a gente observa hoje essa presença forte da Pastoral Familiar na Igreja”.
Na sequência, a Comissão Vida e Família ofereceu materiais para serem trabalhados nos grandes eventos e nas atividades locais da Pastoral Familiar.
O que pude observar na caminhada eclesial, não somente na minha Diocese, mas em muitos ambientes que tive ocasião de encontrar, é que, depois dos primeiros meses da publicação da Exortação, dominados por polêmicas a respeito do capítulo VIII e de algumas proposições que eram lidas de maneiras diferentes por diversos comentaristas, as Pastorais e as famílias passaram a deixar para os peritos as discussões mais sofisticadas e recolheram do oitavo capítulo a contribuição que delineia uma postura de compaixão e de misericórdia para com os sofredores.
Dom João Carlos Petrini
Em muito boa hora o Papa Francisco nos convida a celebrar os cinco anos da exortação Pastoral Amoris Laetitia, recuperando todo seu significado, estudando mais profundamente, colocando e prática e recuperando também tudo aquilo que foi realizado nestes cinco anos desde o seu lançamento. A Amoris Laetitia é fruto de um grande estudo feito por toda a Igreja a respeito da família em dois sínodos.
Dom João Bosco Barbosa de Sousa
Foto de capa: Mazur/catholicnews.org.uk