Na Exortação Apostólica Amoris laetitiae, diz-nos o Papa Francisco que “a família é o âmbito não só da geração, mas também do acolhimento da vida que chega como um presente de Deus. Cada nova vida ‘permite-nos descobrir a dimensão mais gratuita do amor, que nunca cessa de nos surpreender. É a beleza de ser amado primeiro: os filhos são amados antes de chegar’” (n. 166).
O mundo atual necessita especialmente dessa mensagem, transmitida especialmente pelas famílias cristãs, que se fazem porta-vozes daquilo que Deus quis desde o início para o gênero humano, ao dizer “crescei e multiplicai-vos”. Que se compreenda cada filho como um dom de Deus, tanto ao se pensar na possibilidade de gerar, como ao se constatar a gravidez, nas mais variadas circunstâncias de vida.
Vele aqui uma especial reflexão sobre o drama do aborto. As situações que levam grávidas a pensarem em aborto costumam ser bastante complexas, envolvendo solidão, abandono, falta de diálogo com a própria família, descompromisso do pai da criança, problemas econômicos e tantos outros. Por isso as grávidas, especialmente as mais jovens, necessitam diferentes tipos de apoio. Não se pode apresentar a legalização do aborto como uma “solução” para a questão, como se o dilema consistisse em um contraste entre o aborto clandestino, que pode colocar em risco também a mãe, e o aborto legal, no qual o filho é eliminado como se o problema fosse a presença dessa vida inocente.
Cabe às famílias e à sociedade a busca de caminhos de acolhimento e valorização da vida, tanto da mãe como do filho. Efetivamente, uma grávida já não tem a opção de ter ou não um filho, mas apenas a alternativa de ter um filho vivo ou um filho morto, caso realize um aborto, e isso também mata algo dentro dela, mesmo que se grite em altos brados que ela estaria apenas exercendo um direito. Não há direito sobre a vida do filho, pois esse direito corresponde à própria criança, já gerada e em desenvolvimento. A mãe pode tirar o filho de seu útero, mas não o tira da cabeça nem do coração, e por isso tantas sofrem pelo restante de suas vidas por causa do aborto realizado, muitas vezes em sua tenra juventude. Também essas pessoas necessitam apoio para superar o trauma.
Problemas complexos necessitam abordagens amplas: educação, especialmente da afetividade e sexualidade, para que se diminua drasticamente o número de gravidezes acidentais, não desejadas; exercício do diálogo nas famílias, para que os adolescentes e jovens não se vejam isolados em momentos difíceis; políticas públicas de apoio às grávidas, que propiciem condições de vida para mãe e filho. A sociedade não pode “lavar as mãos”, com a falsa solução da facilitação do aborto, como se este fosse inevitável.
A gratuidade do amor prossegue ao longo da vida da criança, que gradativamente vai exercendo a sua liberdade mediante suas escolhas, nem sempre condizentes com aquelas que seriam as escolhas dos pais. A educação, o acompanhamento, o acolhimento vão superando diferentes etapas, todas elas ricas em aprendizados para toda a família. Cada vida traz diferentes esperanças e desafios, e precisa ser valorizada na sua própria realidade. Os laços familiares unem as diferentes gerações, e também os idosos propiciam à família a oportunidade de exercer o acolhimento para com eles. Aquele que um dia acolheu uma nova vida, agora é acolhido em sua ancianidade. Assim, cada membro fortalece o conjunto da família, e todos se amparam nas mútuas necessidades.
Lenise Garcia
professora aposentada da Universidade de Brasília e presidente do Movimento Nacional da cidadania pela vida – Brasil sem Aborto. Membro da Comissão de Bioética da CNBB.