Adriana Rodrigues
Psicóloga
Amar é… deixar o filho adulto fazer o próprio caminho, inclusive financeiro.
Qual pai ou mãe não sonha com um futuro feliz para seus filhos?
Queremos vê-los crescer e se tornarem adultos com autonomia, capazes de seguir a própria vida. Mas nem sempre isso acontece!
Para que o filho possa ter uma completa autonomia é preciso que ele tenha as condições de se sustentar, que seja capaz de angariar recursos suficientes para se manter.
Os cientistas do desenvolvimento consideram a entrada na vida adulta por volta dos 20 anos de idade, essa fase se encerra em torno dos 40 anos. Nesse período, a pessoa ingressa no mercado de trabalho, gera renda e se torna autônomo financeiramente.
No entanto, por diversos motivos, o que se vê é o aumento no número de filhos adultos que continuam precisando do dinheiro dos pais para suprir suas necessidades e desejos. Quando essa situação é esporádica, em um espaço de tempo muito bem definido, não há nenhum problema, uma vez que os pais podem ajudar. Porém, quando essa ajuda perdura, podemos estar atrapalhando o próprio desenvolvimento dos filhos, tornando-os dependentes financeiros.
E quando isso acontece, é necessário que os próprios pais encarem a difícil tarefa de analisarem o próprio comportamento. Afinal, a atitude dos genitores, por mais bem intencionada, cheia de amor e cuidado, pode gerar consequências negativas para a vida dos filhos.
Pontos para refletir
Para ajudar na reflexão, eis quatro pontos que podem estar na base do problema e funcionando como uma barreira que impede a evolução natural da autonomia. Esses pontos não abarcam todas as possibilidades, são apenas alguns possíveis caminhos.
Quando se olha para a verdade, por mais dolorosa ou difícil que seja, aumentam as chances de encontrar saídas. Negar o problema ou fazer de conta que tudo está bem, não vai resolver absolutamente nada.
Então, com o coração e mente abertos, reflita se algum destes pontos se aplica a você:
- Falta de limites: os pais podem ter dificuldade de colocar limites claros e bem definidos. Por vezes, temem que ao dizer não, o filho se ressinta e se afaste. Pode ser muito difícil para alguns pais lidar com a raiva que o filho sentirá ao ouvir uma “negativa”.
Outros pais podem ter dificuldade de dar limites aos filhos porque eles próprios não conseguem dizer “não” para si mesmos.
- Dificuldade para lidar com perdas ou mudanças: ver os filhos crescerem e partirem sem precisarem de nós é muitas vezes sentido como uma perda, uma mudança indesejada e, na tentativa de manter os filhos ligados a nós, mantendo o status quo, cria-se um cordão que nos une a eles, alimentando essa ligação por meio das ajudas financeiras. Dessa forma, os pais se mantêm indispensáveis, além de tê-los sempre ao alcance dos olhos.
- O apego ao poder: quando os pais pagam as contas, acreditam que recebem junto o direito de opinar na vida dos filhos. É como se você comprasse o poder de mandar no outro. Isso pode acontecer porque você:
- não acredita que ele possa fazer boas escolhas;
- quer protegê-lo das consequências dolorosas que a vida apresenta;
- gosta de estar sempre no controle de tudo.
- O desejo de ser uma espécie de herói: a sensação prazerosa de que se é importante e de que é possível salvá-los dos percalços da vida, pode ser uma forma de prisão relacional. Com isso, enfraquece-se os filhos, porque nas entrelinhas vai a mensagem de que eles não conseguirão sem os pais.
Pais desempenham papéis coadjuvantes
Para ajudar os filhos a serem adultos e financeiramente independentes, é necessário deixá-los enfrentar a vida. Você deve assumir o papel de coadjuvante, o protagonista é ele. Não duvide da capacidade do seu filho de viver a própria vida.
Não se deve virar as costas para os filhos, de jeito nenhum, apenas acredite, confie e esteja ao lado para que ele possa superar cada obstáculo. Você pode orientar, se ele quiser ouvir, poderá nutri-lo com afeto e encorajá-lo a seguir em frente.
Com relação à ajuda financeira sistemática feita aos filhos adultos, é importante ressaltar que nem sempre é saudável retirá-la da noite para o dia, por isso, é saudável uma conversa respeitosa e amigável, para informar ao filho que não será mais possível a sua ajuda financeira. Estabeleça uma estratégia para a retirada dessa ajuda, que pode ser definida em conjunto com ele. Há algumas possibilidades. Eis duas:
- Defina uma data para o fim da ajuda financeira, daqui a 3 ou 6 meses, por exemplo.
- Estabeleça uma redução gradual até zerar. Essa estratégia pode ser interessante para alguns casos, porque permite que o filho possa ir se acostumando com as ajudas cada vez menores.
Entre a data da conversa e as datas estabelecidas para o fim ou redução da ajuda, acompanhe os passos que seu filho está dando. A ideia é você encorajá-lo e ajudá-lo a enfrentar os desafios que surgirão.
Desafio: manter o combinado. Pode acontecer de o filho acreditar que você vai flexibilizar quando chegar a data prevista. Pode ser que ele ainda não tenha se organizado e peça prorrogação do prazo. Pode ser que ele fique nervoso ou triste, são inúmeras as possibilidades. O importante é você ser fiel à necessidade de ajudá-lo a ter autonomia financeira. Se for necessário, ajude-o a identificar onde está o problema e procure clarear as ideias para que ele encontre o caminho da autonomia. Mostre que está decidido e disposto a ajudá-lo a superar as dificuldades.
É óbvio que o tema “dinheiro e amor paternal” é sensível e desafiador. Mas não há outro caminho para uma vida adulta, íntegra e satisfatória, se não houver esse enfrentamento. É salutar que pais e filhos aprendam a seguir cada qual o seu caminho, sem precisar se distanciar emocionalmente uns dos outros. É preciso criar ou restabelecer uma conexão pela via do afeto e do respeito.
A conclusão é de um trecho do escritor José Saramago:
“Filho é um ser que nos foi emprestado para um curso intensivo de como amar alguém além de nós mesmos, de como mudar nossos piores defeitos para darmos os melhores exemplos e de aprendermos a ter coragem. Isso mesmo! Ser pai ou mãe é o maior ato de coragem que alguém pode ter, porque é expor-se a todo o tipo de dor, principalmente o da incerteza de agir corretamente e do medo de perder algo tão amado. Perder? Como? Não é nosso, recordam-se? Foi apenas um empréstimo.”