Espinhos à vista
Depois de manterem liberadas as pesquisas com células-tronco embrionárias, os ministros do STF agora se debruçam sobre novos temas controversos, como aborto de anencéfalos, uniões gays e cotas raciais.
Renata Mariz
Da equipe do Correio
A pauta recheada de polêmicas só começou. Depois da agitada — e quase empatada — votação sobre o uso de embriões humanos em pesquisas científicas (que terminou 6 a 5 pró-pesquisas sem restrições), novos julgamentos controversos estão prestes a ser travados no Supremo Tribunal Federal (STF). Aborto de fetos sem cérebro, casamento gay, cotas raciais e a demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol são apenas alguns dos temas espinhosos sob análise da Corte. Sem falar nos imbróglios com carga política, tais como um novo cálculo da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e a atuação dos 40 denunciados por envolvimento no mensalão.
Da lista de controvérsias que dividem a sociedade, a primeira a sair da gaveta deve ser a ação que pretende descriminalizar o aborto de fetos sem cérebro, ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS). O ministro Marco Aurélio Mello, relator do processo, que está parado desde 2004 no STF, vai agendar para agosto a segunda audiência pública da história do tribunal, com o objetivo de discutir a questão. A primeira, e até agora inédita, foi pedida em abril do ano passado para debater o tema das células-tronco embrionárias.
É esperado do ministro voto favorável ao pedido. Foi Marco Aurélio que autorizou, com uma decisão liminar, em julho de 2004, a retirada de fetos sem cérebros do útero materno, uma vez que eles não sobrevivem após um parto natural. Três meses depois da liberação, porém, o plenário do Supremo decidiu derrubar a liminar. Na madrugada em que os ministros tornavam novamente crime a interrupção da gravidez no caso de anencéfalos, sujeita a três anos de prisão, Severina Ferreira estava no leito de um hospital em Pernambuco.
Grávida de quatro meses, ela se submeteria à cirurgia naquela manhã de 20 de outubro de 2004, pois seu bebê não tinha cérebro. “Parece que foi o jornal que chegou”, conta Severina, em documentário sobre sua história, lembrando a informação ouvida do médico de que o parto antecipado estava proibido no país. Restou à Severina batalhar por uma autorização judicial para o procedimento, que só veio aos sete meses de gestação. Estimativa do Instituto de Medicina Fetal mostra que já chegaram à Justiça brasileira cerca de 3 mil pedidos de aborto de anencéfalos — 97% deles aceitos pelos juízes.
Restrições religiosas
Se no meio judicial há um relativo consenso, o tema é explosivo na seara religiosa. O padre Luiz Antonio Bento, membro da Comissão de Bioética da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), teme que a aprovação da matéria abra as portas para a legalização irrestrita do aborto e a prática da eugenia. “A criança que está sendo gerada com anencefalia é como qualquer outro ser humano, que merece respeito e dignidade. Se matamos o bebê com anencefalia hoje, o que faremos amanhã com os deficientes físicos?”, questiona.
A CNBB teve negada, pelo ministro Marco Aurélio, sua candidatura à posição de amicus curiae (espécie de perito especializado ouvido como parte em processos no STF) no caso dos anencéfalos. Do outro lado, a favor da liberação, está a Conectas Direitos Humanos, uma organização não-governamental que ainda não teve resposta de sua candidatura para amicus curiae.
Eloísa Machado, advogada da Conectas, diz que sua linha de argumentação mostrará que submeter uma mulher à gestação de um feto sem potencial de vida fere o princípio da dignidade da pessoa humana. “A gravidez, nesses casos, pode ser comparada à tortura”, afirma Eloísa. Contrários a essa tese, parlamentares ligados às bancadas católicas e religiosas prometem fazer pressão. “Tratando de vida, não há meio termo. Somos contra”, destaca Luiz Bassuma, da Frente Parlamentar em Defesa da Vida. Uma vitória recente do grupo foi a rejeição do projeto que descriminaliza o aborto na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara.
A criança que está sendo gerada com anencefalia é como qualquer outro ser humano, que merece respeito e dignidade. Se matamos o bebê com anencefalia hoje, o que faremos amanhã com os deficientes físicos?
Padre Luiz Antonio Bento, membro da Comissão de Bioética da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)
Homossexuais aguardam
Outro tema nas mãos do STF que provoca discussões acaloradas na sociedade é a equiparação dos direitos de casais homossexuais aos de heterossexuais, em questões patrimoniais e previdenciárias. O padre Luiz Antonio Bento, da CNBB, considera a ação, ajuizada pelo governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, equivocada. “Que se crie uma lei para amparar os homossexuais, que devem ser respeitados em sua individualidade, mas igualar a união deles ao matrimônio entre homem e mulher é um absurdo. Prejudica as bases da família que deve sustentar nossa sociedade”, afirma o religioso.
A ação polêmica está nas mãos do relator, ministro Carlos Ayres Britto, que pela postura claramente progressista deve apresentar um voto favorável. No que depender do ministro Celso de Mello, o processo será julgado procedente. “A união homoafetiva é legítima e constitucional, porque o casal homossexual forma uma entidade familiar”, opina Mello.
Alvo de ataques e defesas veementes, a ação que questiona o sistema de cotas raciais nas universidade que aderirem ao ProUni deve ser votada em breve. Após o relator, ministro Carlos Ayres Britto, julgar o processo improcedente, reconhecendo a legalidade da reserva de vagas, o ministro Joaquim Barbosa pediu vista. A matéria pode voltar à pauta nos próximos meses, com grandes chances de rejeição na Corte. (RM)
Colaborou Leonel Rocha